O Brasil atravessa um processo silencioso, porém devastador: a progressiva naturalização da desordem. A violência, a corrupção, a impunidade e a degradação cultural deixaram de ser exceções indignas para se tornarem fatos incorporados ao cotidiano. Já não causam escândalo, nem mobilizam consciência. Apenas circulam. São narrados, comentados e esquecidos. Raramente enfrentados.
Essa anestesia moral não resulta apenas de omissão institucional ou de políticas públicas ineficazes. Ela nasce da repetição. Do contato contínuo com o inaceitável. Da exposição prolongada a um ambiente em que o crime é recorrente, a autoridade é desacreditada, e a norma, frequentemente, é o desvio. O brasileiro aprende, desde cedo, que a rua exige protocolos de sobrevivência: não exibir o celular, evitar certos horários, andar com um “aparelho reserva”. A infância já é moldada pelo medo. A juventude cresce desconfiada. A velhice, resignada.
A sensação de insegurança, embora mensurada por estatísticas, é vivida no plano íntimo — como retração da liberdade, deterioração da confiança e perda do direito à espontaneidade. A rua deixou de ser um espaço público. Tornou-se território de risco. Isso não apenas limita a mobilidade e a convivência, mas altera profundamente a percepção sobre o outro. O próximo, antes visto como semelhante, passa a ser tratado como ameaça. E é nesse ponto que a violência se interioriza: ela não apenas atinge corpos, mas fragmenta laços. Corrói o espírito coletivo.
Essa erosão moral é agravada por dois fatores. Primeiro, o cinismo: a ideia de que “sempre foi assim” e, portanto, nada pode ser feito. Segundo, a inversão de valores promovida por determinados discursos culturais e políticos, que relativizam o crime, desconstroem a autoridade legítima e promovem identidades em torno da ruptura e não da coesão. A criminalidade, nesse contexto, não é mais apenas uma questão de segurança pública — mas de ordem simbólica. Ela representa o triunfo da exceção sobre a regra.
Em paralelo, cresce uma cultura de indulgência com a corrupção, desde que ela seja justificada por alguma promessa de assistência ou proximidade ideológica. O juízo moral se submete à simpatia. A integridade passa a ser vista como ineficiência. E o resultado é uma sociedade que tolera o mal, desde que ele venha acompanhado de algum benefício imediato. Abandona-se o princípio para manter o favor.
O mais grave, no entanto, é que essa adaptação ao caos mina a capacidade de regeneração social. Quando a sociedade para de se escandalizar com o erro, ela se torna incapaz de corrigi-lo. E o que era patologia passa a ser normalidade institucional. Nesse cenário, as políticas públicas perdem efeito, a justiça se torna errática e a esperança dá lugar à apatia.
A anestesia moral não é apenas um sintoma. É uma condição. E, enquanto não for enfrentada, o país continuará funcionando abaixo de seu potencial, condenado a conviver com níveis inaceitáveis de violência, desconfiança e desagregação.
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