Quando “toxicidade” vira categoria política.

Há algo revelador na forma como certas candidaturas deixam de ser descritas como viáveis ou inviáveis, competitivas ou frágeis, e passam a ser classificadas como “tóxicas”. O termo não pertence ao vocabulário da ciência política nem da análise eleitoral. Surge como rótulo moral, não como diagnóstico. E isso altera a natureza do debate.

“Tóxico” não descreve rejeição eleitoral mensurável. Aponta desconforto institucional. É a palavra escolhida quando se quer sinalizar que um nome não se encaixa no arranjo preferido por determinados setores, sem que seja necessário assumir essa preferência de forma explícita. O julgamento deixa de girar em torno de voto, base social ou desempenho potencial e passa a se concentrar na aceitabilidade.

Durante anos, o bolsonarismo foi tratado como um fenômeno funcional por amplos segmentos do mercado, do agronegócio e da política organizada. Enquanto organizava poder, reduzia incerteza e operava como vetor de pressão dentro do sistema, foi incorporado sem maiores constrangimentos. O apoio não era identitário nem programático. Era instrumental.

O que mudou agora não foi o eleitor, nem o tamanho da base social mobilizada por esse campo político. Mudou o ambiente institucional. Em contextos de maior instabilidade, o critério dominante deixa de ser afinidade ou potencial eleitoral e passa a ser risco. Quando o risco entra na equação, o discurso abandona a linguagem política e adota a moral.

É nesse momento que a palavra “toxicidade” passa a ser usada. Ela não precisa ser demonstrada, apenas repetida. Dispensa números, dados ou comparações objetivas. Funciona como um selo de exclusão elegante, que evita o confronto direto com o eleitor e desloca a decisão para um círculo restrito de avaliadores informais, longe do escrutínio público.

O efeito desse enquadramento é uma inversão silenciosa da lógica democrática. A candidatura deixa de ser algo que se mede nas urnas e passa a ser algo que se autoriza previamente. A política assume a forma de uma fila informal, na qual alguns nomes avançam com facilidade enquanto outros permanecem em espera, não por falta de base social, mas por excesso de incômodo.

A família Bolsonaro incomoda justamente por não ter surgido como construção setorial nem como consenso de cúpula. Seu capital político não nasceu de acordos prévios, chancela institucional ou engenharia de acomodação. Nasceu da relação direta com o eleitor. Isso não garante vitória, mas a coloca fora do padrão que certos setores consideram confortável.

Chamar esse fenômeno de “toxicidade” é uma forma de contornar a discussão central. O debate não é moral, nem técnico, nem reputacional. É sobre quem decide. Se o eleitor continua sendo o centro da escolha ou se a política será cada vez mais filtrada por critérios informais de conveniência.

Quando o cálculo de poder passa a ser tratado como juízo moral, a discussão deixa de ser eleitoral. Não se está avaliando força, voto ou desempenho possível, mas tentando administrar o risco antes que a disputa exista de fato. Isso fala menos sobre a candidatura em si e mais sobre um sistema que prefere antecipar o controle a lidar com o resultado.

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