Nas últimas duas décadas, a política internacional era distante, algo que ouvíamos no Jornal Nacional, no Fantástico ou em qualquer programa de jornalismo com ares de sofisticação, produzido por tudólogos formados na PUC.

Ouvíamos falar sobre a guerra ao terror, sobre o Nobel de Barack Obama e as resoluções na ONU, tudo em um tom pacífico, como se os processos, movimentações e decisões desses agentes fossem praticamente um movimento da natureza.

Hoje, a política internacional já começa a parecer um tanto apocalíptica. Temos o conflito entre Rússia e Ucrânia, as ameaças chinesas de reivindicar Taiwan e outros movimentos que pareciam ficcionais no nosso período histórico anterior.

Parece que estamos caminhando para uma nova era. Avizinha-se o colapso total e completo da “ordem mundial baseada em regras”, e estamos sentindo as dores de sua desintegração.

A ordem internacional baseada em regras, consolidada após 1945, caracterizou-se por um sistema de normas, instituições multilaterais e acordos que buscavam promover estabilidade, comércio livre e cooperação entre Estados. Sustentado pela liderança hegemônica e dominante do establishment anglo-americano, esse modelo estruturou as relações entre Estados por décadas, tendo como pilares a Organização das Nações Unidas, o Fundo Monetário Internacional e uma rede de tratados que regulavam normativamente desde a segurança até o comércio. Contudo, nas últimas décadas, tornou-se evidente o enfraquecimento progressivo dessa estrutura, sugerindo um colapso em curso, cujas implicações reconfiguram o cenário geopolítico contemporâneo e a política mundial como um todo.

O declínio dessa ordem manifesta-se em múltiplas dimensões. Inicialmente, observa-se a retração do papel estabilizador, policial e arbitral desempenhados pelos EUA, potência que historicamente garantiu a segurança das rotas marítimas e a hegemonia econômica. Hoje, os EUA, beneficiados por avanços em autossuficiência energética e por uma posição geográfica vantajosa, parecem menos inclinados a sustentar um sistema global que já não veem como essencial aos seus interesses estratégicos. Essa mudança reflete-se no protecionismo, na redução de compromissos multilaterais e na extensão de sua influência.

Concomitantemente, a retração das infraestruturas e a falta de compromisso com o multilateralismo geram fragmentação. As lideranças no mundo atual são cada vez menos claras; os Estados não querem assumir compromissos multilaterais de longo prazo visando liderar o mundo em qualquer dimensão que seja.

Outro fator estrutural é a transformação das condições materiais que sustentaram a globalização. A interdependência econômica, baseada em cadeias de suprimento globais e comércio irrestrito, mostra sinais de falência diante de interrupções causadas por conflitos regionais e reconfigurações demográficas. Países com populações envelhecidas e economias dependentes de exportações, enfrentam dificuldades crescentes para manter sua relevância, enquanto nações geograficamente favorecidas buscam independência. Esse movimento sugere uma transição para um mundo regionalizado, onde a capacidade de autoabastecimento em energia, alimentos e manufaturas define a resistência de uma nação diante de crises. 

Assim, o mundo que se desenha é desglobalizado, com lideranças regionais resolvendo problemas regionais – cada um por si e 

Deus por todos 

Por anos, o multilateralismo e a cooperação foram meios e pretextos para que potências estabelecidas pudessem perseguir seus objetivos, mas agora esse sistema perderá um pouco da sua sofisticação — por pura necessidade.

E nós, como ficamos diante dessas transformações globais?

Enquanto o Brasil tem pronunciamentos presidenciais para anunciar o funcionamento de programas de compra de votos de jovens; enquanto ameaçamos cassar deputados por motivos esdrúxulos, os olhos do mundo voltados para o Brasil não nos veem como nação: somos vistos apenas como um celeiro.

Em uma era em que a independência será essencial, as potências estabelecidas já estão preparando o saque, a sabotagem e dispositivos e acordos que mantém nosso subdesenvolvimento. A China já planeja utilizar nossas terras para garantir sua segurança alimentar, enquanto os europeus já preparam o assalto contra a Amazônia.

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