Apesar da repressão, altos impostos, corrupção generalizada, inflação e caos institucional, o brasileiro tem orgulho do seu país.  

É o que revela uma pesquisa inédita do instituto Inteligência em Pesquisa e Consultoria (Ipec) que, entre os dias 6 e 10 de fevereiro, ouviu 2 mil pessoas em todo o Brasil. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.  

Como resposta à pergunta “Qual o seu grau de orgulho em ser brasileiro?”, 83% declararam ter “muito orgulho” (49%) ou “orgulho” (34%). Apenas 16% disseram que têm “pouco” (11%) ou “nenhum orgulho” (5%).  

Estes números mostram um paradoxo do brasileiro em relação ao seu país: sente orgulho da nacionalidade ao mesmo tempo que não está plenamente satisfeito com o país. 

Segundo Nelson Rodrigues, “o brasileiro não tem motivos históricos ou pessoais para a autoestima”.  

O escritor é o criador do famoso termo “complexo de vira-lata” — expressão que você deve ter usado algumas vezes —, publicado em uma coluna no Correio da Manhã em 1º de junho de 1958, logo após o início da Copa do Mundo da Suécia, mas antes da final (que ocorreu em 29 de junho). O texto reflete suas impressões sobre a mentalidade brasileira em relação ao futebol e ao próprio país:  

“Por ‘complexo de vira-lata’ entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para ter confiança em nós mesmos. No futebol, temos um permanente derrotismo. Antes de qualquer partida, já nos consideramos batidos, mesmo contra o mais reles adversário. E, quando ganhamos, atribuímos o sucesso ao acaso, nunca ao mérito.”  

O “complexo de vira-lata” é o sentimento de inferioridade do brasileiro que se vê como inferior diante do mundo, desvalorizando o que é nacional e supervalorizando o que é estrangeiro. Ele usou o termo na Copa da Suécia para criticar o derrotismo no futebol e na identidade cultural, comparando-o a um “narciso às avessas” que rejeita a própria imagem. É como um cachorro vira-lata: sem prestígio, sem orgulho. Nelson tinha a expectativa de que o Brasil superasse essa autodepreciação.  

Bem, ao que parece, o povo brasileiro está transcendendo a tal síndrome, ou compreendeu que o Brasil não é só aquilo que a Rede Globo exibe na televisão.  

Reclamar do Brasil é quase um esporte nacional. Mas, ainda assim, os brasileiros sentem orgulho do país?  

Para que isso faça um mínimo de sentido, é preciso pontuar que existem dois Brasis: um Brasil oficial — do Diário Oficial da União, das comunicações institucionais, dos telejornais e das novelas da Rede Globo — e um Brasil real, que pulsa vitalmente, sustentado por sobreviventes.  

O Brasil oficial é alheio ao Brasil real — até poderíamos dizer que se alimenta dele — são realidades bastante diferentes.  

A elite brasileira não vive as mesmas dificuldades do Brasil real e não comunga dos mesmos valores e a diferença é tamanha que os brasileiros já começaram a perceber que existem esses dois Brasis.  

Apesar das dificuldades, o brasileiro tem orgulho de fazer parte do Brasil real, que é composto por sobreviventes que sentem na pele os efeitos da opressão das elites, do crime organizado e das crises econômicas.  

O orgulho de ser brasileiro vem de manter vivo esse Brasil real, que sobrevive à moeda desvalorizada, à transferência de decisões a instituições estrangeiras e, ultimamente, até à privação de remédios exigidos por vias judiciais.  

Enquanto nós vimos a caridade e a mobilização do Brasil real em tragédias nacionais, nossos burocratas deixam cada dia mais claro, parafraseando o citado Nelson Rodrigues, que nem mesmo no câncer são solidários.

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