O Teatro das Cadeiras

Por Daniel Galli

19/09/2024

Há quem diga que o apresentador passou dos limites, cometeu uma agressão inadmissível, mostrou ser emocionalmente desequilibrado, deveria envergonhar-se e retirar-se da disputa. “É o fim da democracia e do devido processo legal”, esgoelam-se em Lives e postagens tão deselegantes quanto possível os sequestradores do bom senso. Há quem diga que a cadeirada foi bem dada, e que o coach fez por merecer.

Esqueçamos por um momento nossas preferências pelo coach ou pelo apresentador e vamos nos concentrar na plasticidade do golpe. Convenhamos, foi uma cadeirada perfeita. Um clássico. A partir da tomada de decisão por parte do agressor, que sempre acontece num rompante, o movimento ganha a dinâmica de um suspense Hitchcockiano, quando o susto é previamente introduzido na mente do espectador. Ele vai dar uma cadeirada. Ele está pegando a cadeira. Não acredito! Vai acontecer… vai acontecer… Meu Deus! Pow!

Ignorando meu completo desconhecimento científico sobre como funciona a psique humana e me apoiando apenas nas cadeiradas que já presenciei nesta vida – uma, inclusive, da qual fui vítima -, atesto sem medo de errar que essa tratou-se de uma autêntica cadeirada. Pode parecer uma afirmação ingênua para alguns, mas devolvo a acusação. Ingenuidade é achar que todas as cadeiradas são iguais. Não, tem muito teatro por aí. Algumas cadeiras são atiradas com displicência apenas para causar rebuliço. A busca pela verdade requer alguma sensibilidade para além da técnica, por assim dizer. Essa foi mesmo uma cadeirada real, eu garanto.

Logo após a tomada de atitude, que é o início do ato e se caracteriza por um gesto intempestivo, seguiu-se um desenrolar mais lento que reflete uma certa hesitação tentando conter aquele primeiro impulso, sem sucesso. Ao aproximar-se do coach, uma diminuição no ritmo ou até mesmo uma leve paradinha se fez necessária para calcular bem a distância e a trajetória da parábola. Não é tão diferente de um craque a caminho da bola na marca do pênalti. Mas no caso da cadeirada, a vontade de acertar talvez seja ainda maior. Ela é regida pela raiva e protegida por uma descarga de adrenalina que faz desaparecer por um momento o motivo da hesitação anterior: o medo. Medo de levar o contragolpe, medo do ridículo. Medo de não ser capaz de defender a própria honra, de parecer um covarde. A essa altura, eu sei que os mais imersos na gritaria política já manifestam intimamente o desejo de dar uma (outra) cadeirada em mim. Mas peço que se acalmem e tenham um pouco de paciência. Não estou concluindo que a cadeirada foi uma atitude correta pelo fato de ter sido autêntica. Pra usar um adjetivo mais depreciativo e tentar aqui fazer as pazes com os fãs do coach, a cadeirada foi estúpida.

Eu tenho certa birra com cadeirada. Acho que um murro é sempre mais digno. Porém, neste caso, dou um desconto pois trata-se de tentar igualar forças, já que o apresentador levava uma tremenda desvantagem física em relação ao seu oponente. Ainda assim, foi uma estupidez. Tivesse um pouco de sagacidade e não cairia na armadilha do coach provocador. Mas inteligência não é o forte dos que costumam pleitear as cadeiras do executivo em Banânia. E aqui, eu é que começo a querer distribuir cadeiradas. Deveriam todos os milhões de seguidores do coach – que se acha maior do que o rei Salomão – agradecer ao apresentador safenado por ter levado a cabo o seu intento. Afinal, não era esse o objetivo?

O problema é que, sem querer, o coach passou do ponto. Acreditou tanto em si mesmo que não percebeu que tava todo mundo vendo que ele mentia. Montou um grande teatro para acusar os adversários de estarem atuando.

Mais uma vez, atraiu os holofotes para si. Ele é um craque nisso. O efeito colateral é que com toda essa luz na cara, não consegue enxergar o paulistano que tem certa repugnância desses arroubos de ator de novela mexicana. Nada mais irritante para um trabalhador do que um mentiroso bem sucedido.

A essa altura, aqueles que estão convictos em votar no Cigano Igor da política já devem ter rasgado o computador de raiva do que escrevo. Mas peço ainda mais um pouco de calma.

Calma, calma… não é assim que apazigua o coach quando é entrevistado, logo depois de escandalizar o entrevistador com uma polêmica qualquer? É a velha tática do morde e assopra. Ninguém precisa estudar PNL para saber o que qualquer bisavó sabe. Mas estamos vivendo tempos confusos em que a política virou princípio. E o problema de ver tudo através dos óculos da política é que eles são demasiado escuros para que se possa enxergar qualquer outra coisa.

Pablo Marçal pediu pra apanhar. E apanhou. É mais simples do que parece.

É a velha dança das cadeiras. Quem permanecer até o fim, senta-se na única que restará. A tão cobiçada cadeira de prefeito. E há sempre alguém disposto a bater ou apanhar por ela.

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