
Em julho de 1809, o Duque de Wellington, diante da teimosia e da desorganização de seu aliado espanhol, o General Gregorio de la Cuesta – um homem que dormia em reuniões estratégicas e se recusou a atacar o inimigo quando este estava vulnerável por ser ‘muito tarde da noite’ – , o comandante britânico percebeu que a aliança era insustentável. O hoje famoso “abandono de Wellington” não foi uma traição à Espanha, mas a recusa de um general em suicidar suas tropas ao preço da apatia alheia. Wellington se retirou para Portugal não porque gostava de Napoleão, mas porque não se pode vencer uma guerra ao lado de quem insiste em perder.
O anúncio da retirada de Alexandre de Moraes da lista da OFAC, a já famosa ‘lei magnitsky’, é apenas o sintoma de uma doença que corrói a direita brasileira há muitos anos: a incapacidade de olhar para si mesma como um contraponto político e civilizacional. Trump olhou para o cenário brasileiro e viu um exército de Generais Cuestas. Viu uma oposição fragmentada, que gastou mais munição fuzilando seus próprios articuladores – vide o tratamento dispensado a figuras como Eduardo Bolsonaro e outros que, mesmo sob desconfiança, mantêm as pontes internacionais de pé – do que combatendo o verdadeiro adversário. A direita nacional, com a sua eterna soberba purista, acreditou que a geopolítica era um instrumento de menor relevância ao que deveria ser o objetivo maior da oposição política hoje, que é derrotar o partido que toma os sistemas nacionais de assalto há mais de duas décadas.
Diferente do que os analistas falidos que hoje comemoram esse revés dizem, Trump não revogou a sanção por simpatia à Lula, ele o fez porque o cálculo político é simples e implacável. Ao perceber que a “resistência” brasileira prefere o canibalismo interno à união pragmática, mesmo quando recebem apoio do maior poderio financeiro do planeta, o americano entendeu que qualquer ajuda cairia no vazio. Ele percebeu que a direita brasileira queria que ele fizesse o trabalho todo sozinho – e na política internacional ninguém aposta fichas em quem já se derrotou antes de entrar em campo.
A direita brasileira recebeu uma mão e quis o braço. Esperou, e em alguns momentos exigiu, que os EUA, sozinhos, derrubassem um inimigo que não é deles. “O Messias virá apenas quando já não for necessário, virá apenas um dia após a sua chegada; ele não virá no último dia, mas no ultíssimo”, já dizia Kafka. Quem espera por uma ajuda definitiva sem trabalhar por ela só a recebe depois de ser tarde demais.
A oposição brasileira, que tem como mais alto valor moral ‘estar certa’, não enxergou a possibilidade que os EUA, pragmáticos como são, enxergassem que qualquer ajuda só seria eficaz se a direita criasse, através da união, uma situação onde o apoio americano fosse apenas o empurrão final, e não a única força motriz.
Ao atacar as pessoas que tentaram construir uma diplomacia paralela, e ao se recusar a cerrar fileiras em torno de estratégias comuns, a direita disse ao mundo que não merecia o resgate. O gesto de Trump é duro, sim, mas é simples e pedagógico. Não fomos traídos por Washington, fomos apenas lembrados que a imagem da direita nacional no espelho está desfigurada pela vaidade e pela inércia. Nem o nosso maior aliado pôde reconhecer nela um parceiro de luta. Resta agora aprender a lição que Cuesta não aprendeu: exércitos que não marcham juntos são apenas multidões à espera do abate.