A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) foi estabelecida em 4 de abril de 1949 pelo Tratado de Washington, em resposta à ascensão do bloco soviético no pós-Segunda Guerra Mundial. A justificativa para a criação da aliança foi a suposta necessidade de contenção da URSS, intensificada por eventos como o Bloqueio de Berlim e a consolidação do Leste Europeu sob influência soviética. Os 12 membros fundadores — EUA, Canadá, Reino Unido, França, Itália, Bélgica, Países Baixos, Luxemburgo, Noruega, Dinamarca, Islândia e Portugal — instituíram uma aliança de defesa coletiva cujo cerne é o Artigo 5º do tratado, que vincula um ataque a um membro a uma resposta conjunta.

A OTAN, sem dúvida, foi mais um passo em direção à burocratização das decisões políticas e de defesa das nações. Daí em diante, países inteiros, com toda sua estrutura bélica nacional, passaram a ter seus exércitos subordinados a um processo burocrático. 

Um pacto que sujeita e condiciona a  estrutura bélica de um país, com capacidade de mobilizar exércitos nacionais profissionais, com equipamentos e treinamento sofisticados, certamente gera insegurança para os países fora da aliança.

E é justamente por isso que a expansão da OTAN em direção ao Leste Europeu foi amplamente criticada por renomados estrategistas, acadêmicos e ex-membros da alta diplomacia ocidental, que alertaram para suas potenciais consequências desestabilizadoras. A decisão de incorporar antigos Estados soviéticos e, posteriormente, considerar a adesão da Ucrânia foi considerada um erro estratégico, com implicações profundas para a segurança internacional.

George Kennan, arquiteto da política de contenção dos EUA na Guerra Fria, descreveu a expansão da OTAN como um “erro trágico”, prevendo uma reação negativa da Rússia. Henry Kissinger, por sua vez, enfatizou que a Ucrânia possuía um valor estratégico e histórico para Moscou e que sua integração à OTAN seria inaceitável do ponto de vista russo. De forma semelhante, John Mearsheimer argumentou que o Ocidente estava conduzindo a Ucrânia a um caminho de destruição ao incentivá-la a desafiar os interesses fundamentais da Rússia.

No meio diplomático, Jack Matlock, ex-embaixador dos EUA na União Soviética, alertou que a expansão da aliança representava o maior erro estratégico desde o fim da Guerra Fria, enquanto William Perry, ex-secretário de Defesa dos EUA, chegou a considerar sua renúncia devido a sua oposição à política de alargamento da OTAN. Bill Burns, atual diretor da CIA, reconheceu em um memorando diplomático de 2008 que a entrada da Ucrânia na OTAN representava a “linha vermelha mais sensível” para a Rússia.

O impacto dessa política também foi analisado sob a ótica estrutural do equilíbrio de poder. Stephen Cohen e Vladimir Pozner destacaram que o avanço da OTAN para as fronteiras russas inevitavelmente militarizaria a relação com Moscou. Jeffrey Sachs advertiu que a expansão da aliança era imprudente e aumentaria o risco de conflito, enquanto Paul Keating e Bob Gates compararam a decisão a erros estratégicos históricos que precipitaram confrontos entre grandes potências.

O receio de que essa abordagem provocasse uma resposta militar da Rússia não se limitava a acadêmicos e diplomatas ocidentais. Oleksiy Arestovych, conselheiro presidencial ucraniano, previu em 2015 que a busca da Ucrânia pela adesão à OTAN resultaria em uma intervenção militar russa com quase absoluta certeza. Além disso, documentos vazados pelo Wikileaks confirmam que autoridades ocidentais estavam plenamente cientes da percepção russa de que a expansão da aliança representava uma ameaça direta.

Diversos outros analistas, como Noam Chomsky, Malcolm Fraser, George Beebe e Ted Galen Carpenter, convergiram na visão de que o alargamento da OTAN negligenciava princípios básicos da estabilidade internacional ao transformar a Rússia de um possível parceiro em um antagonista. Esse consenso entre especialistas levanta um questionamento fundamental: por que, apesar dos alertas de algumas das mentes mais brilhantes da geopolítica, essa estratégia foi levada adiante?

O resultado, conforme previram esses analistas, foi a intensificação das tensões entre a Rússia e o Ocidente coletivo, culminando nas crises ucranianas. O contexto geopolítico atual não reflete em um erro isolado, mas sim em um fracasso de uma abordagem estratégica que ignorou os princípios do equilíbrio de poder e as sensibilidades históricas de um ator fundamental no sistema internacional.

Não é nenhuma loucura especular sobre uma instrumentalização da OTAN para gerar instabilidade política, instabilidade essa que gerou dividendos políticos e financeiros para o establishment anglo-americano. Será que a OTAN, durante seu processo de expansão, não se transformou em um instrumento para a uniformização do acionamento de exércitos e pressão sobre rivais geopolíticos?  

Brzezinski, na abertura de seu livro The Grand Chessboard, admite que Hitler e Stalin secretamente acordaram entre si uma tentativa de manter os EUA longe da Eurásia para, logo depois, anunciar que o tema de seu livro é justamente   sobre como os EUA podem manter a supremacia na Eurásia e construir uma comunidade global.

Sequer precisamos consultar documentos oficiais para provar que Stalin realmente tinha essa percepção a respeito da Eurásia; o Pacto de Varsóvia e o avanço do Exército Vermelho já nos dizem o suficiente. Brzezinski também deixa claro como os EUA precisam impossibilitar que nasça uma potência europeia que controle o centro geográfico da Europa — sem esconder seus pesadelos com a possibilidade de ascensão de um novo Bismarck.

Se quisermos realmente apelar para a história, devemos lembrar também que a primeira coisa que Woodrow Wilson tentou impor em Versalhes foi justamente o fim do sistema de balança de poder da Europa e a fundação da Liga das Nações.

Não seria toda essa tragédia dos “mocinhos” da OTAN já anunciada? Será que a OTAN não foi transformada em um instrumento de escravização e guerra assimétrica, em vez de um “pacto pela proteção do mundo livre”?

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