O Supremo Tribunal Federal (STF) voltou a ocupar as páginas de jornais e sites de notícias com a decisão do ministro Flávio Dino de abrir, de ofício, uma investigação contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, seus filhos Flávio, Eduardo e Carlos, e outros 23 aliados, com base no relatório da CPI da Covid-19. A ação expõe a seletividade da Corte ao escolher quem investigar, enquanto casos graves, envolvendo aliados do atual governo, são negligenciados.
A decisão de Dino de focar exclusivamente no governo de Jair Bolsonaro ignora episódios como o escândalo do Consórcio Nordeste. Liderado pelo então governador Rui Costa – hoje ministro-chefe da Casa Civil do governo Lula –, o consórcio destinou R$ 48 milhões para a compra de respiradores que nunca foram entregues. A empresa contratada, HempCare, sem experiência em equipamentos médicos e conhecida por atuar no setor de cannabis, levanta sérias dúvidas sobre a condução do processo. A ausência de investigação rigorosa sobre esse caso contrasta com a celeridade aplicada aos adversários políticos do governo Lula.
Outro nome que escapa do foco é Carlos Gabas, ex-ministro e figura influente no Consórcio Nordeste durante o episódio. Mais preocupante é o papel de Flávio Dino, que, como governador do Maranhão na época, integrava o consórcio. Agora, como ministro do STF, ele é o relator do inquérito que apura as irregularidades do próprio grupo, uma situação que sugere potencial conflito de interesses. Essa proximidade entre julgador e investigado mina a percepção de neutralidade essencial ao Judiciário.
O inquérito sobre os respiradores do Consórcio Nordeste tem uma trajetória lenta e confusa. Já passou pelo STF, pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e retornou ao Supremo, sem avanços concretos. O Tribunal de Contas da União (TCU) isentou Rui Costa, mas o inquérito criminal segue em aberto, sob a relatoria de Dino. Enquanto isso, a investigação contra Bolsonaro e seus aliados deve progredir rapidamente, reforçando a percepção de que a justiça opera com critérios desiguais.
Em 2020, o STF limitou a atuação do governo federal no combate à pandemia, delegando a estados e municípios a gestão de recursos e medidas sanitárias. Governadores, como os do Consórcio Nordeste, tiveram ampla autonomia, o que torna essencial que suas ações sejam investigadas com o mesmo rigor aplicado a outros atores políticos.
A ausência de transparência e celeridade na apuração de casos como o do Consórcio Nordeste, enquanto investigações contra opositores avançam, reforça a percepção de um STF que, ao invés de unificar a nação em torno da justiça, aprofunda divisões políticas. A credibilidade da Corte depende de sua capacidade de agir com imparcialidade, investigando todos os lados sem distinções políticas.
A seletividade percebida no caso do Consórcio Nordeste, em contraste com o foco no Bolsonarismo, compromete ainda mais a confiança nas instituições. Cabe aos brasileiros exigir uma justiça que não se curve a interesses políticos, mas que apure fatos com equidade. Quando veremos o mesmo empenho para investigar todos os envolvidos na gestão da pandemia? A mais alta corte do país não pode ser um reflexo das disputas de poder. A justiça precisa ser cega, não seletiva.