
Nos últimos anos, a grande imprensa brasileira funcionou como cheerleader oficial do STF. Censura? “Medida necessária”. Prisão sem denúncia formal? “Defesa da democracia”. Inquérito que nunca acaba? “Deixa o Supremo trabalhar, ele está salvando o Brasil”.
O objetivo era um só, dito em voz alta ou sussurrado nos grupos de WhatsApp das redações: tirar Bolsonaro do poder e garantir que ele – e qualquer coisa que cheirasse a bolsonarismo – nunca mais voltasse. Quem ousasse lembrar que aquilo tudo estava a anos-luz da Constituição de 1988 era imediatamente rotulado de golpista, extremista, ameaça às instituições. O coro era afinado, diário e barulhento. Ninguém ficava de fora.
Agora, no finzinho de 2025, a ficha começou a cair. Não caiu inteira, claro. Caiu em pedaços, com cuidado, como quem tem medo de fazer barulho demais.
Primeiro foi o Estadão, aquele mesmo que em 2022 tratava Alexandre de Moraes como a última esperança da civilização ocidental. O jornal soltou uma série de editoriais dizendo que “as excepcionalidades precisam acabar” e que o país viveu tempo demais sob “perversão jurídica kafkiana”. Alguém na redação deve ter aberto a Constituição, lido dois artigos e pensado: “Peraí… o que a gente tá defendendo não tem nada a ver com o que tá escrito aqui”.
Depois foi a Malu Gaspar em O Globo. A colunista, que escrevia textos quase apaixonados por cada decisão monocrática, agora reconhece, meio sem graça: “Talvez tenham exagerado um pouco”. Um pouco.
Pablo Ortellado, na Folha, decretou que “as condenações do 8 de janeiro fecham o ciclo das medidas excepcionais”. Legal, Pablo. O povão já tinha fechado esse ciclo em 2022, mas tudo bem, chega com calma, sem pressa.
E hoje, 5 de dezembro de 2025, Vera Magalhães – a mesma que repetia sem cansar “não é censura, é combate à desinformação” – acordou assustada: Gilmar Mendes quer um “Super Trunfo” para blindar o STF de qualquer controle. Vera, esse baralho inteiro está comprado desde o inquérito das fake news. Você só sentiu o cheiro da pólvora agora porque a bala começou a acertar cabeças não bolsonaristas.
Quando o porrete só pegava no Bolsonaro, nos deputados de direita, nos perfis conservadores, nos jornalistas independentes e cidadãos comuns que ousavam discordar, era lindo, era necessário, era salvação nacional. Quando o mesmo porrete começou a ameaçar as figuras que sempre estiveram do “lado certo da história”, virou escândalo, ativismo judicial, ameaça à democracia. Ninguém está pedindo que se ajoelhem e peçam perdão – seria pedir demais à grandeza deles. Mas seria elegante, ao menos, reconhecer o óbvio: ajudaram a construir, tijolo por tijolo, o monstro que hoje os apavoram.
Aplaudiram o regime de exceção enquanto servia ao objetivo político do momento. Deram carta branca para o STF reescrever a Constituição na marra, desde que o alvo fosse o inimigo certo. Agora que o monstro saiu da coleira e já não escolhe mais lado, posam de vítimas ou de recém-iluminados. A ficha caiu. Agora bateu o medo do monstro que ajudaram a criar.
Que sirva de lição – tardia, constrangedora, mas didática: quem aplaude a exceção usada contra o inimigo de hoje, não tem direito algum de se queixar quando ela o alcançar amanhã.