
Você já deve ter lido e ouvido ad nauseam que não devemos “ideologizar” temas importantes, que determinados temas são tão caros que deveriam ser debatidos à parte de toda ideologia e visão de mundo, em um estado de neutralidade absoluta. Já ouvimos isso em relação à economia, ao judiciário, entre outros outros temas que são inescapavelmente debatíveis.
Tratar de elementos que alteram profundamente a vida social inevitavelmente provocará debates sobre como o processo deve ser conduzido.
É uma unanimidade a percepção de que a política econômica nacional precisa trazer prosperidade, mas a forma como essa prosperidade virá precisa ser debatida, aceita e abraçada pela população.
Pode-se fazer uma política econômica onde não há qualquer restrição a mercados repugnantes, com liberação da venda de drogas, prostituição e demais serviços moralmente inaceitáveis que, no curto prazo, trazem lucro e aquecem a economia, mas destroem a civilidade do país. Ou podemos adotar uma estratégia de harmonia de interesses, visando uma prosperidade que contribuirá com o avanço civilizatório do país.
Mesmo que concordemos sobre a necessidade de prosperidade da política econômica, a forma como essa prosperidade virá precisa de um amplo debate, necessariamente político.
Mas o artigo “Guerras ideológicas versus Ciência do Clima: por que misturá-las é um erro?” ignora tudo isso. Publicado pelo Pipeline Valor, o texto defende a separação entre o debate político e a discussão científica sobre mudanças climáticas. O argumento central sustenta que a ciência do clima deve ser preservada das disputas ideológicas, pois seu papel é fornecer diagnósticos objetivos, embasados em evidências, e não servir de campo de batalha para agendas políticas conflitantes. Sugere ainda que misturar política e ciência compromete a credibilidade do conhecimento técnico e prejudica a formulação de respostas eficazes à crise climática. Essa abordagem, contudo, parte de uma premissa problemática: a de que é possível separar ciência e política de forma estanque, ignorando os mecanismos concretos pelos quais decisões políticas são formuladas e implementadas.
A tentativa de apresentar a questão climática como um domínio estritamente técnico é, em essência, uma tentativa clara de neutralização da política. Quando um tema de grande impacto social e econômico, como a suposta crise climática, é tratado estritamente como uma questão científica, desloca-se a arena de disputa para especialistas e instituições tecnocráticas, afastando-a da deliberação democrática. Esse deslocamento implica desconsiderar os interesses divergentes que estruturam a economia global, bem como os impactos sociais diferenciados das políticas ambientais. Ao despolitizar o debate sobre as políticas climáticas, oculta-se o fato de que qualquer política ambiental tem vencedores e perdedores, beneficiando certos setores econômicos e prejudicando outros.
Historicamente, a definição de políticas ambientais sempre esteve intrinsecamente ligada a disputas de poder entre Estados, corporações e grupos sociais. A agenda climática envolve conflitos distributivos sobre recursos naturais, modelos de desenvolvimento e acesso à energia. Portanto, ao afirmar que a crise climática deve ser abordada apenas por meio da ciência, sem interferências ideológicas, desconsidera-se que a própria formulação de políticas ambientais já é, por definição, um exercício de poder. Esse processo de neutralização tende a consolidar a posição de agentes já influentes no cenário global — como organizações multilaterais, grandes conglomerados empresariais e burocracias estatais —, ao mesmo tempo em que restringe a participação ativa da sociedade e de movimentos políticos emergentes, praticamente marginais, na construção de alternativas.
Esse fenômeno tem impacto direto nas nossas vidas. Ao tratar a questão climática como um assunto meramente técnico, reduz-se a capacidade da população de influenciar as decisões que afetam diretamente seu cotidiano. Quando os grandes debates sobre políticas ambientais são enquadrados como simples questões de expertise científica, e não como escolhas políticas legítimas, a tomada de decisão — que a essa altura já é quase o exercício de um poder soberano — migra para uma esfera onde o acesso popular é nulo, e as sanções diante de erros e abusos são praticamente inexistentes. Assim, o cidadão comum transforma-se em espectador passivo de diretrizes elaboradas por especialistas e organismos internacionais, sem que lhe seja oferecido espaço efetivo para contestação ou participação.
Em última instância, a neutralização da política em nome da ciência compromete a própria democracia, transformando o Estado nacional em burocracia neutra, tecnocrática e desalmada.
A pergunta é: por que tratar as políticas climáticas fora da política, se são justamente as instituições políticas que precisarão ser acionadas para sua aplicação? Talvez porque a elite que promove essa agenda sabe que, sem essa neutralidade, suas políticas não seriam aplicadas, pois seus efeitos imediatos seriam a geração de pobreza, o enriquecimento de um pequeno grupo e a falência de nações inteiras, promovendo miséria generalizada e controle dos meios energéticos.
A ideia deles é buscar a neutralidade para instrumentalizar as instituições políticas.