
Por: Lorenzo Carrasco e Geraldo Luís Lino – Publicado em 21 de Dezembro de 2025
A Petrobras acaba de divulgar seu plano de negócios para o período 2026-2030, com investimentos totais de US$ 109 bilhões (cerca de R$ 585 bilhões). Um item em particular causou grande irritação entre os crentes na “descarbonização” da economia como uma suposta necessidade incontornável do desenvolvimento humano: uma redução geral de 20% na rubrica “transição energética”. A ONG Climainfo, uma das referências da seita no País, informa que houve reduções de 45,6% em energias de baixo carbono, 58% em energias eólica onshore e solar fotovoltaica, 20% em hidrogênio e 23% no Fundo de Descarbonização das Operações (“Petrobras perde mais uma chance de se transformar em uma empresa de energia”, 01/12/2025).
No início de setembro, a presidente Magda Chambriard já havia informado que a empresa só pretende colocar as energias ditas renováveis na agenda a partir de 2035, motivando mais um muxoxo da porta-voz-mor do ambientalismo no País, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva. Em entrevista ao “Estadão” (02/09/2025), ela afirmou: “Tenho defendido também que as empresas que fazem exploração de petróleo têm que deixar de fazer e se tornar produção de energia. Defendo desde sempre que a Petrobras seja cada vez mais uma empresa de geração de energia e não apenas de exploração de petróleo.”
A reorientação da Petrobras, enfocando a sua atividade-fim, é muito bem-vinda e ocorre no âmbito de dois fatores que deverão influenciar decisivamente o setor energético nos anos vindouros. O primeiro é uma tendência idêntica de suas coirmãs internacionais – ExxonMobil, BP, Shell, Chevron, Equinor entre outras –, que estão reduzindo pragmaticamente os seus planos de “descarbonização”. O segundo, a determinação do governo Trump de desmantelar a estrutura institucional, regulatória e administrativa da agenda do catastrofismo climático nos EUA, que está deflagrando ondas de choque por todo o mundo.
Uma perspectiva bastante promissora, sobre a qual já escrevemos aqui, é a eventual entrada da Petrobras na área nuclear, que foi objeto de discussões durante a Nuclear Trade & Technology Exchange, o principal evento de tecnologia e negócios do setor nuclear nacional, em maio último. Na ocasião, o engenheiro Edgar Poiate afirmou que o Centro de Pesquisas Leopoldo Américo Miguez de Mello (CENPES) está estudando a utilização de Pequenos Reatores Modulares (SMR) e microrreatores nucleares, para usos embarcados nos seus navios-plataformas (FPSO) ou na alimentação direta de equipamentos instalados no leito marinho.
Iniciativas que, se concretizadas, colocarão a Petrobras na linha de frente de inovações tecnológicas, confirmando a sua tradição de pioneirismo na exploração offshore, demonstrada com o desenvolvimento da tecnologia de exploração em águas profundas, encabeçado pelo CENPES e pela COPPE-UFRJ (como é mais conhecido o Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Ao nosso ver, a “nuclearização” da Petrobras deveria ir além de aplicações pontuais. Em qualquer cenário prospectivo de recuperação da capacidade do Estado Brasileiro como indutor do desenvolvimento nacional – fator vital em face da reconfiguração da ordem de poder global em favor dos Estados nacionais, em detrimento do globalismo –, a Petrobras precisa ser inserida como um vetor crucial para a imprescindível reindustrialização do País, na qual o desenvolvimento das capacidades nucleares nacionais representa um imperativo estratégico.
Considerando os problemas orçamentários crônicos do programa nuclear, virtualmente estagnado há décadas, uma decisão de suma importância seria colocá-lo sob a guarda de uma Petrobras revitalizada, reorientando para ele uma parte significativa dos recursos da “transição energética” e colocando-a firmemente no caminho para constituir-se na empresa “de energia” cobrada por muitos. Mas com fontes de alta densidade energética e tecnológica, e não com as fontes intermitentes de baixa densidade energética, que já estão causando tantos problemas aos que as têm privilegiado, no Brasil e no exterior.
Para quem estranhe o envolvimento de uma petroleira na área nuclear, nas décadas de 1950-60, a ENI teve uma importante participação no programa nuclear italiano, por intermédio de suas subsidiárias Agip Nucleare, SOMIREN e SIMEA, e chegou a operar um reator comercial de 153 megawatts, depois transferido à estatal ENEL, criada em 1962 para consolidar o setor elétrico nacional. Juntamente com os outros três construídos na Itália, ele foi desativado após o referendo popular de 1987, que, na esteira do desastre de Chernobyl, decidiu encerrar a geração nuclear no país.
Atualmente, a empresa italiana está investindo em outra tecnologia de ponta, a energia de fusão, por intermédio de um forte investimento na startup americana Consolidated Fusion Systems (CFS), que pretende colocar em operação o seu revolucionário reator em 2030. Uma linha de pesquisa que se encaixaria perfeitamente no escopo estratégico de uma Petrobras “nuclearizada”. O retorno da energia nuclear ao primeiro plano das pautas estratégicas é uma realidade da qual o Brasil não pode se esquivar.
Nos EUA, o governo federal pretende investir US$ 500 bilhões na construção de dez novos reatores nucleares, para fazer frente à crescente demanda energética de data centers, aplicações de IA e projetos industriais. Por aqui, a entrada da Petrobras tem potencial para consolidar o setor como um vetor estratégico de primeira ordem, revertendo a deplorável estagnação em que se encontra. Precisam-se de visão de longo alcance e coragem política, requisitos fundamentais para reposicionar o País em meio às turbulências globais.