
Publicado em 20 de Dezembro de 2025
A crise institucional brasileira não é um acidente de percurso numa república democrática e desenvolvida, e muito menos foi causada por qualquer radicalismo — ou mesmo pelo bolsonarismo. Ela é, antes, o conjunto de efeitos e desdobramentos de uma arquitetura de Estado burocrático, formalista e sem limites claros para o exercício do poder.
A república da “redemocratização” não democratizou as instituições nem repartiu efetivamente o poder político: ela o neutralizou. Em vez de organizar a disputa pública como conflito legítimo entre projetos de governo — com decisão, responsabilidade e cobrança —, converteu a política em matéria administrável, “técnica”, submetida a burocracias jurídicas, procedimentos e instâncias de controle capazes de suspender ou reformatar a vontade majoritária. O centro do regime deixou de ser a deliberação que decide e passou a ser a engrenagem que contém.
Esse deslocamento é parte fundamental da crise institucional brasileira. Trata-se do amadurecimento de um desenho constitucional que transformou o governo em gestão sob tutela, em multiplicação de competências concorrentes, em elevação de princípios vagos a parâmetros decisórios, em ampliação de instrumentos de judicialização e a hipertrofia de órgãos autônomos e na criação de um Estado de veto difuso: muitos podem interromper, poucos podem concluir, quase ninguém pode decidir; muitos fiscalizam, poucos respondem politicamente pelo resultado.
O resultado disso tudo é a sensação de que o país não tem jeito, de que a mudança do presidente e dos quadros do parlamento não mudam em nada diante a circunstância nacional.
Com órgãos burocráticos superpoderosos, instituições públicas com poder esvaziado e uma elite dirigente totalmente divorciada da realidade da população, a expectativa no Brasil é a de que a unidade seja garantida pela norma, e a obediência a ela obtida por sanções, perseguição e opressão.
Todo esse aparato burocrático está envernizado como Estado de bem-estar social, democracia plena e pujante, república que assiste a seus filhos menos afortunados. Mas, ao fim e ao cabo, é uma modernização da casa grande, onde o poder não tem limites formais, a vontade da população é desrespeitada e se sobrepõe o anelo dos coronéis, acomodados em órgãos burocráticos de comando.
Jair Bolsonaro é a prova de que a estrutura política brasileira não superou as memórias da casa grande: um presidente popular que foi impedido de exercer o poder por elites burocráticas e oligarquias históricas. Independentemente do apoio popular, prevalece o poder da casa grande, hoje representada tão habilmente por oligarquias nacionais.
Para fazer justiça, é preciso mencionar que Alberto Torres, um pensador social preocupado com questões da unidade nacional e da organização social brasileira, também criticou o aparato institucional da Primeira República, com o argumento de que o Estado não tinha poder para criar unidade nacional e, de fato, fazer valer a cidadania.
Mas as disfuncionalidades do aparato constitucional da Sexta República não são mero acidente, nem mera repetição de um ciclo histórico de erros e vícios. A Constituição de 1988 incorporou temas e direitos que, por sua natureza, são “portas de entrada” para circuitos internacionais de legitimação e pressão — meio ambiente, direitos indígenas, direitos humanos, entre outros.
Isso ocorreu no ápice da influência do Diálogo Interamericano nas discussões sobre o Estado de Direito.
A crise não é mero acidente, é parte de uma agenda de colapso controlado da nação brasileira, colapso que facilitará o domínio de agentes externos sobre o país.