
As civilizações antigas compreendiam a cidade, a pólis, como um organismo vivo que precisava consumir recursos para sustentar a ordem. Se para egípcios e gregos a transformação do grão em alimento exigia a violência da colheita e a tortura da moagem, para a elite brasileira, a manutenção de seu status exige um processo análogo, porém perverso. A libertação de Daniel Vorcaro e a implosão controlada do Banco Master não são acidentes, são a exposição crua de como o Brasil moderno estabeleceu uma relação íntima com o crime.
O sistema desenvolveu um tipo próprio de alquimia para impedir que qualquer origem espúria do dinheiro atrapalhe os negócios. A “Faria Lima”, que tanto falamos aqui, não é só um endereço geográfico, mas um forno onde qualquer capital sujo, seja pela violência do tráfico ou pelo desvio do estado, passa por um processo de refinamento.
Daniel Vorcaro era um mestre dessa técnica de transmutação, e o Banco Master era um silo que armazenava a pilhagem do dinheiro do cidadão comum. A “bomba baixa” nos postos de gasolina, a fraude nos balanços e a lavagem de dinheiro são etapas desse processo – e as elites financeira e política observaram tudo com a serenidade de quem sabe que o pão à mesa exige o massacre do grão. Aceitaram os lucros, ignoraram a origem e agora silenciam diante da impunidade, provando que o mercado não possui moral, apenas apetite.
Mas nenhuma moagem ocorre sem a força motriz que gira a pedra. E a simbiose entre o governo Lula e o Centrão é a base que permite o massacre da economia popular.
A história recente do Brasil é uma eterna cantilena de como as barreiras éticas foram demolidas, pedra por pedra, para facilitar esse massacre. O governo Lula, com a sua retórica de humanização do delito e desmonte dos aparatos de fiscalização, age como quem remove as proteções da máquina. E para quem se ilude que esse não é o caso, lembre-se: o PT governa o país há 17 dos últimos 23 anos. A normalização do convívio com o ilícito e enfraquecimento das travas institucionais que o partido criou ao longo de seus termos trouxe o ambiente perfeito para que figuras como Vorcaro prosperassem.
O Centrão, por sua vez, é a transmissão que garante que, independentemente do escândalo, o sistema continue girando. A liquidação do Banco Master deixará um rombo de 56 bilhões de reais, um prejuízo que será socializado através de fundos garantidores e prejuízos estatais. É a lógica inversa da colheita: aqui, o esforço é coletivo, mas o pão é para poucos. O povo brasileiro é quem sofre, pisado e esmagado sob o peso da inflação e da corrupção, para que uma oligarquia possa se banquetear sem consequências.
Os gregos antigos temiam que, sem o devido respeito aos ciclos naturais, a terra se tornasse estéril. O Brasil caminha para uma esterilidade moral absoluta. A imagem de Vorcaro retornando para casa, protegido por uma decisão judicial, é o símbolo de que a pólis foi invadida pelos bárbaros e tomada de forma vertical. A selvageria dos bancos e do centrão é a nova forma do estado bárbaro.
O “pão” que essa elite oferece à nação é podre. É uma ração que engorda os já inchados no banquete do dinheiro público, enquanto o cidadão comum, triturado pela burocracia e pela insegurança, sinaliza que sua saúde está se esgotando. Essa é a fome insaciável de um mecanismo que, para se manter vivo, precisa devorar o futuro do país, transformando a esperança em pó e o patrimônio público em dividendo privado. A colheita continua a ser roubada e o povo, reduzido à condição de palha, assiste ao banquete dos seus algozes.