
Publicado em 16 de Outubro de 2025
O Brasil parece ter se especializado em transformar virtude em fraqueza. O encontro promovido pelo governo no CENPES da Petrobras, às vésperas da COP-30, é o retrato fiel dessa contradição. Sob o pretexto de debater o papel das estatais na “ação climática”, o país reuniu ministérios, bancos públicos e fundações estrangeiras em um evento apoiado pela Open Society e com participação da SASAC — o órgão do Estado chinês que supervisiona suas empresas públicas. A pauta oficial fala em transição energética; o resultado concreto é a consolidação de uma dependência que se veste de virtude.
O discurso ambiental deixou de ser política de desenvolvimento e virou instrumento de tutela. As estatais brasileiras, que nasceram para estruturar a autonomia nacional, agora servem de vitrine para obediência à agenda desenhada alhures. BNDES, Petrobras e Banco do Brasil aparecem não como motores de crescimento, mas como emblemas de disciplina — um país disposto a seguir metas que respondem mais à COP do que ao Congresso. O Estado se comporta como executor de manual global, não como arquiteto de projeto próprio.
As potências que ditam as regras do clima não seguem as mesmas exigências que impõem aos demais. Os Estados Unidos reconstroem sua base energética com capital interno e blindagem industrial; a China, por meio da SASAC, centraliza o controle sobre suas estatais e define cada passo da política de investimento; a Europa tenta equilibrar metas ambientais com o pavor da escassez. Já o Brasil, sentado sobre uma das matrizes energéticas mais diversificadas do planeta, hesita em explorar o que possui. Transformamos abundância em culpa, riqueza em penitência moral.
A presença da SASAC no evento não foi casual, mas reveladora. A China envia o órgão que comanda suas estatais para ensinar o Brasil a alinhá-las à agenda climática. É a imagem perfeita do país que confunde subordinação com cooperação. O mesmo Estado que deveria defender sua autonomia convida um aparelho de poder estrangeiro para opinar sobre sua própria estrutura produtiva.
Petrobras, BNDES e EPE tornaram-se especialistas em administrar a inércia. O país que poderia usar suas estatais para desenvolver fertilizantes, refino e infraestrutura energética firme prefere exibir relatórios sobre emissões e compromissos internacionais. Em nome da sustentabilidade, paralisamos nossa capacidade de agir. Cada nova conferência amplia a sensação de mérito moral e reduz a de soberania. Produzimos diagnósticos enquanto outros produzem riqueza.
Essa inversão explica a profundidade da crise brasileira. O país não é pobre, é desorientado. Possui território, recursos e talento, mas falta-lhe a disposição de exercer poder. A elite que deveria pensar o desenvolvimento teme ser acusada de desenvolvimentista. O servidor que deveria planejar prefere auditar. O governante que deveria decidir prefere anunciar metas inalcançáveis.
O Brasil tem energia e recursos em abundância, mas carece de vontade política e clareza de propósito. Falta compreender que soberania não se mede por boas intenções, mas pela capacidade de converter riqueza em poder. O país que poderia usar seus recursos para assegurar autonomia prefere ser vitrine de obediência global. Assim, a retórica climática se transforma em ideologia de contenção — uma forma elegante de manter o Brasil confinado ao papel de fornecedor disciplinado e consumidor dependente.