A reação do governo brasileiro à Seção 301 dos Estados Unidos seguiu um caminho previsível: transformar uma medida internacional em narrativa política. Em vez de uma análise sobre os efeitos reais da ação americana, o foco se desviou para uma reação simbólica: a defesa pública do PIX, tratado como se estivesse sob ataque direto.
Enquanto isso, investigações conduzidas por órgãos do próprio Estado revelavam algo muito mais grave. Facções criminosas movimentaram ao menos 28 bilhões de reais por meio de fintechs e plataformas financeiras fora do alcance dos mecanismos tradicionais de rastreamento. Esse é o valor já detectado. O montante real pode ser consideravelmente maior. Os dados foram divulgados por autoridades de persecução penal com base em procedimentos formais e operações em curso.
As movimentações ocorriam com o suporte de estruturas tecnológicas e jurídicas que dificultam a identificação dos beneficiários finais, dificultando também ações de bloqueio e recuperação de ativos. O funcionamento desse sistema se estrutura a partir da inovação tecnológica, mas também exige zonas de tolerância institucional, omissão normativa e uma assimetria entre o ritmo da digitalização e a capacidade regulatória. Com isso, forma-se um circuito financeiro com baixa transparência e alta eficiência operacional.
Diante desse quadro, a escolha do governo de transformar o PIX em símbolo de soberania revela uma tentativa clara de mudar o foco. A discussão deixou de ser sobre a existência de um sistema paralelo de movimentação de recursos e passou a girar em torno da defesa de um instrumento popular de pagamento. O esforço não foi para enfrentar o problema. Foi para administrá-lo politicamente.
A mobilização institucional em torno do PIX produziu capital simbólico. Serviu como resposta de impacto, mas não como enfrentamento técnico. O cerne da crise esteve na incapacidade estatal de acompanhar práticas financeiras modernas, aceleradas por tecnologia, brechas legais e táticas de dissimulação patrimonial — não na plataforma em si.
Soberania, nesse contexto, se dá quando o Estado protege seus canais financeiros contra usos informais e ilícitos que colaboram com o crime organizado. A sanção internacional não é o problema. Ela apenas trás luz à fragilidade do sistema.