A atividade política envolve escolhas existenciais profundas nem sempre racionais. Assim como na estética, ela  escolhe entre a beleza e a feiura. E, moralmente, entre o bem e o mal. A política nos faz muitas vezes escolher entre amigos e inimigos, aqueles que aderem às nossas ideias e aqueles que a rejeitam.

Sob a ótica da política, nossa tendência é rejeitar os antagonistas à  nossa proposta de sociedade antes de entender sua perspectiva.

Para compreender as transformações no cenário internacional, é preciso abrir mão da rejeição típica das escolhas políticas do nosso antagonista para perceber o que cada agente na arena geopolítica está buscando.

É impossível conceber a nova diplomacia dos EUA, e como ela vem tentando constituir um novo arranjo de relações em busca de um equilíbrio de poder, sem entender os agentes euro-asiáticos em suas próprias categorias. Não podemos tentar compreender a Rússia e a China segundo a propaganda da UE, ou mesmo as suas próprias.

No Ocidente, a volatilidade política decorrente de ciclos eleitorais curtos – em geral de quatro a oito anos – implica mudanças frequentes na estratégia e nos objetivos da política externa. Cada nova administração busca impor sua marca, reformulando alianças, redirecionando prioridades e, por vezes, descontinuando as boas  políticas anteriormente implementadas. Esse modelo, supostamente democrático e dinâmico, dificulta a construção de estratégias de longo prazo e compromete a previsibilidade das ações externas.

Em contraposição, países como China, Rússia e Índia operam sob lógicas estratégicas de longo prazo. Seus planejamentos geopolíticos, executados com disciplina e consistência, são projetados para décadas. O pragmatismo dessa abordagem permite que essas nações consolidem gradualmente sua influência global, adaptando-se às flutuações do sistema internacional sem comprometer suas diretrizes fundamentais.

A recente dinâmica do sistema financeiro global exemplifica bem essa diferença. Desde 2022, os Estados Unidos intensificaram o uso do dólar e do sistema financeiro internacional como instrumentos de coerção geopolítica, impondo sanções severas e restringindo o acesso de indivíduos e empresas ao sistema bancário global. No caso russo, cidadãos que residiam fora da Rússia há anos foram abruptamente excluídos do sistema financeiro ocidental, e seus ativos foram congelados sem distinção. Tais ações, embora eficazes no curto prazo, tiveram consequências geopolíticas profundas.

A China e a Índia, atentas a esse movimento, reagiram de maneira previsível: aceleraram o desenvolvimento de mecanismos financeiros alternativos ao SWIFT (Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication, um sistema que permite a troca de informações e instruções de pagamento entre instituições financeiras) e reduziram sua dependência do dólar nas transações internacionais. Se essas iniciativas forem bem-sucedidas, os Estados Unidos enfrentarão um impacto estrutural significativo, pois a hegemonia do dólar e do sistema financeiro ocidental é um dos principais pilares do seu poder global. 

Esse movimento não é meramente um processo de desdolarização, trata-se da construção de uma nova arquitetura financeira internacional, na qual os EUA podem se tornar apenas mais um ator, em vez do árbitro dominante.

Nesse contexto, a postura de Donald Trump tende a ser mais pragmática e não será compreendida sem que se levem em consideração todos esses fatores e contrastes. Sua abordagem é menos ideológica e mais voltada para a maximização dos interesses econômicos dos EUA. Ele entende que, ao contrário da visão “tradicional” (uma tradição recente que remonta a Bretton Woods) de hard power, a manutenção da primazia americana no sistema internacional depende de sua capacidade de oferecer vantagens competitivas no comércio e nos investimentos. Guerra e sanções indiscriminadas geram incertezas e estimulam a busca por alternativas. O que está em jogo não é apenas a supremacia financeira, mas a própria relevância dos EUA em um mundo com múltiplas potências equacionando um equilíbrio de poder, ou multipolaridade.

Quem sabe a diplomacia norte-americana seja mais simples do que parece – um novo paradigma em que o excepcionalismo é substituído pela estabilidade dos acordos comerciais bilaterais, e as intervenções, pela competitividade.

Talvez os EUA não estejam reformulando seu excepcionalismo; quem sabe o cenário não seja tão complexo. É possível que estejamos presenciando uma busca pela normalidade. A ver.

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