
Por Carlos de Freitas
Se há algo que nunca sai de moda, é a necessidade humana de comer. Seria também um dos últimos prazeres verdadeiramente democráticos antes que o preço do azeite começasse a rivalizar com o do caviar e o humilde cafezinho assumisse ares de artigo de luxo.
Enquanto o consumidor vê seu carrinho de compras minguar a cada ida ao supermercado, o próprio presidente da república diz que se tá caro é melhor não comprar e o noticiário bate o bumbo com uma alternativa visionária para o problema: comer insetos.
Sim, temos o dilema shakespeariano do século XXI – enfrentar a fúria de um mercado enlouquecido ou aceitar, com resignação aristotélica, a nobre substituição do bife por um punhado de grilos crocantes.
Estamos diante de um paradoxo curioso: enquanto o custo dos alimentos básicos, como ovos e arroz, dispara e temos que esperar a black friday pra comprar uma mísera lata de azeite, surgem propostas alternativas, como o consumo de insetos, apresentadas sob o manto sagrado da sustentabilidade e da inovação alimentar.
A inflação, longe de ser um fenômeno passageiro, já é tratada como uma constante pelos analistas financeiros, que vêm revisando suas projeções para cima ano após ano. O resultado é um mercado cada vez mais instável, no qual o consumidor se vê forçado a adaptar sua dieta, cortar uma ou duas refeições no dia e não cometer o sacrilégio de fazer compras sempre que necessitar.
A ideia de inserir insetos no cardápio do brasileiro, sustentada por argumentos ambientais, esconde um aspecto mais perverso: a normalização da escassez.
A elite econômica que prega essa mudança dificilmente abrirá mão de seus bifes e cortes nobres, deixando a “sustentabilidade” como um fardo exclusivo das classes mais baixas. Assim, a transição alimentar proposta não se dá por inovação gastronômica, mas por imposição de um contexto em que os alimentos tradicionais se tornam inacessíveis para boa parte da população.
O que essa crise nos revela, no fim das contas, é um problema mais profundo do que a mera alta dos preços: estamos diante de um modelo econômico e social onde o básico se torna luxo, em vez de soluções concretas para a inflação, oferecem-se alternativas paliativas travestidas de progresso.
Ter que recorrer a soluções mais baratas, cortar itens essenciais da cesta de compras e até considerar insetos como fonte de proteína não é uma questão de escolha, mas de necessidade imposta por um cenário de crise.
O verdadeiro problema não é a inovação gastronômica, mas o fato de que essas alternativas só ganham força porque o básico – arroz, feijão, carne, ovos – está se tornando inacessível.
Quando a necessidade se disfarça de tendência sustentável, é sinal de que algo está profundamente errado na condução econômica e na distribuição de recursos.
A Fome do Século XXI: Entre Grilos, Inflação e os Ovos de Ouro
Vamos aos fatos: os preços dos alimentos não apenas subiram – eles escalaram como se fugissem de uma catástrofe iminente. A inflação, que alguns ainda tentam tratar como uma anomalia passageira, já se tornou uma velha conhecida, revisada para cima com a mesma frequência com que se muda de estação.
O ovo, outrora o refúgio da classe trabalhadora, agora precisa ser tratado com a mesma reverência de uma iguaria rara. E enquanto o brasileiro se vê obrigado a cortar cada vez mais itens da sua cesta básica, a solução apresentada não é melhorar a economia, reduzir impostos ou incentivar a produção agrícola, mas sim abraçar a entomofagia com entusiasmo.
Afinal, dizem os especialistas, é sustentável, acessível e – como insistem os mais otimistas – até nutritivo. Sejamos modernos, pois, e troquemos o frango caipira por um prato de gafanhotos orgânicos.
O curioso é que essa “revolução alimentar” não nasceu no paladar espontâneo do povo, mas na prancheta das elites que continuam desfrutando suas dietas intocadas. O que nos vendem não é uma opção, mas uma necessidade disfarçada de inovação. Com uma retórica habilmente trabalhada, tentam transformar a crise alimentar em um festival de “novas possibilidades”.
A carestia já não é um problema – é um convite à reinvenção gastronômica. O que antes era escassez, agora é sustentabilidade. Mas a pergunta que não quer calar é a seguinte: os que promovem essa mudança também trocarão seus bifes suculentos por um punhado de larvas torradas? Ou será que essa nova dieta é um privilégio reservado apenas aos que não têm mais escolha?
O Ovo Como Termômetro da Crise
Se quisermos entender a economia de um país, olhemos para o preço do ovo. Quando ele sobe vertiginosamente, podemos ter certeza de que o trabalhador médio está em apuros. O ovo sempre foi aquele amigo confiável dos tempos difíceis: é barato, versátil e democrático. Mas agora, vê-lo transformado em artigo de luxo nos faz lembrar da antiga máxima dos economistas: quando o básico encarece, a crise é profunda.
A disparada do preço do ovo reflete não apenas problemas na cadeia produtiva, mas também um efeito dominó de inflação generalizada, agravada pelos custos do transporte, da ração e, claro, do próprio descontrole econômico. Se o ovo sobe, a proteína animal sobe junto – e o que resta ao consumidor? Exatamente: o famigerado grilo.
A Reeducação Alimentar Forçada
A narrativa dos insetos como alimento do futuro não é nova. Vem sendo empurrada goela abaixo há anos por entusiastas da sustentabilidade. E, claro, há algo de verdadeiro nesse discurso: grilos exigem menos água, menos terra e emitem menos gases que o boi.
Mas não sejamos ingênuos: essa nova dieta não surge como uma opção saborosa e natural, mas como uma solução para um problema que foi criado por políticas desastrosas de regulação econômica e produção de alimentos.
A elite global propõe os insetos ao povo com a mesma empolgação de um nobre francês do século XVIII sugerindo brioches para substituir o pão. A diferença é que, desta vez, o marketing é mais sofisticado.
Essa revolução gastronômica é apenas mais um sacrifício reservado aos menos favorecidos. Nós não vemos conferências ambientais servindo pratos de gafanhotos para os bilionários que pregam essa mudança.
A Inflação Como Símbolo da Desordem
Enquanto isso, os números da inflação demonstram que o Brasil continua refém de um modelo econômico errático, onde promessas de estabilidade se desmancham no ar a cada novo boletim financeiro. O Banco Central ajusta previsões com a serenidade de um meteorologista tentando prevenir-se de um furacão. O consumidor, por sua vez, já nem se surpreende: há muito tempo, aprendeu que qualquer notícia de alívio econômico dura menos que uma promoção relâmpago no supermercado.
Como já foi dito, o aumento dos preços não é apenas um problema econômico – é um sintoma de uma crise mais profunda, de uma sociedade que vai, pouco a pouco, perdendo sua capacidade de garantir o básico aos seus cidadãos. O ovo, o pão, o arroz, tudo o que deveria ser acessível, torna-se privilégio. E então, para suprir essa lacuna, surge a campanha de aceitação dos insetos. Não como uma escolha exótica e interessante, mas como uma adaptação necessária à realidade imposta.
O Banquete dos Cínicos
A inflação devora o poder de compra, e, em resposta, oferecem-nos grilos, larvas e formigas. O mais irônico é que há quem aplauda essa mudança, como se fosse um avanço cultural e não um reflexo de retrocesso econômico. No fim, talvez estejamos diante de uma nova versão da fábulda cigarra e da formiga, onde a cigarra – agora revalorizada como fonte de proteína – finalmente se vinga da formiga trabalhadora.
O verdadeiro problema não é comer ou não insetos – é a razão pela qual essa ideia se tornou necessária. E, enquanto isso, seguimos esperando pela próxima manchete, quem sabe anunciando uma linha gourmet de gafanhotos trufados para os que ainda podem pagar.