Durante a eleição de 2014, Dilma e Aécio atribuíam a paternidade do programa social Bolsa Família aos grandes nomes de seus partidos.

Dilma argumentava que o PT havia criado o programa, já Aécio alegava que o germe da política pública surgiu no governo FHC.

À época, muito se dizia que o Bolsa Família era um programa para sustentar vagabundos — não que esse tipo de comentário tenha sido extinto —, mas o perfil do beneficiário do Bolsa Família tem muitas complexidades que precisam ser consideradas.

A criação desses auxílios foi concomitante ao processo de desindustrialização nacional e a todo um arranjo institucional, processual e tributário que reduziu a capacidade de produção do brasileiro.

É inegável que, no Brasil, existem pessoas miseráveis que hoje dependem desse programa, mas essa dependência não é apenas fruto da vontade dos beneficiários. Houve um processo de destruição dos poderes produtivos do Brasil e, consequentemente, uma brutal redução nos postos de trabalho.

O perfil de muitos beneficiários do Bolsa Família é o de cidadãos que tiveram os setores produtivos destruídos em sua região. É preciso descrever esse perfil de miséria urbana, pois ele também revela o fato de que o PT destruiu as forças produtivas legalizadas com a intenção de substituí-las por setores produtivos completamente informais e ilegais, com fins de estabelecer uma agenda política.

Esses poderes produtivos ilegais — entenda “poderes ilegais” como organizações sociais influentes que se articulam através da ilegalidade, como o crime organizado, as guerrilhas etc. — passaram a criar milícias até se transformarem em poderes políticos ilegais.

Onde há esse perfil de pobreza urbana, esse ambiente inóspito, impossível de gerar riqueza, há um aumento da presença do poder do crime organizado.

Onde existem esses poderes ilegais — geralmente relacionados ao crime organizado — também há um controle político e territorial de aspectos significativos da comunidade.

No Brasil, as forças sociais que exercem influência real na nação não têm representação ou estão sujeitas a sanções e dispositivos institucionais. Para citar dois exemplos de exclusão institucional, dois casos extremos: o primeiro é a Igreja, que não pode opinar em uma eleição de conselheiros tutelares sem levar um “chega pra lá” do Ministério Público.

O segundo é o crime organizado, que supostamente não tem representantes nas instituições públicas, mesmo que exerça controle territorial sobre extensas faixas de terras brasileiras e obtenha mais lucro com a venda de gasolina do que com a de drogas.

A Igreja cristã, enquanto poder social, não tem o direito de garantir a eleição de seus conselheiros tutelares para proteger suas crianças, mesmo que seja natural essa preocupação e até motivo de discussão no seio da Igreja, frequentada por famílias que provavelmente compartilham dessa preocupação.

Por outro lado, o crime organizado, que pode controlar o espaço habitado do Brasil, não tem deputados, bancadas, universidades ou institutos à sua disposição. Não oficialmente, pelo menos.

Como é possível essa disparidade de poder se um grupo social é totalmente integrado na sociedade, enquanto o outro vive na marginalidade?

O Brasil é comandado por poderes ocultos e ilegais porque seu Estado não tem forma nem protege os cidadãos e a ordem social.

Precisamos admitir que o Estado brasileiro é uma casa de máquinas amorfa e desestruturada, que se move conforme são acionadas as alavancas.

Sem um projeto de Estado nacional, corremos o risco de deixar a casa de máquina nas mãos do adversário.

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