
Publicado em 24 de Outubro de 2025
É conhecida por todos a recusa do governo brasileiro em reconhecer traficantes de drogas como terroristas que atuam em território nacional.
Isso só pode ser minimamente plausível e aceitável caso se deforme a percepção pública diante da atuação desses grupos.
O controle territorial, a coerção de empreendedores e a infiltração no mercado financeiro e nas instituições públicas fazem do crime organizado brasileiro um aglomerado de facções narcoterroristas, capazes de criar Estados paralelos e zonas de exclusão — onde não vigora a lei brasileira, mas as regras de um regime bélico de exceção.
O cidadão brasileiro que vive em uma região dominada pelo tráfico não está sujeito às leis da Constituição nacional, mas vive segundo as normas de uma zona de exclusão, em que as regras são determinadas pela facção criminosa que está em conflito com o Estado brasileiro.
Basicamente, esses brasileiros que vivem nessa zona de exclusão não estão sob a guarda de qualquer lei. O poder das armas, exercido pelo tráfico, faz com que o grupo atue como soberano investido de poderes absolutos, em razão de seu casus belli, pois a disputa com outras facções e com o Estado é uma luta pela sobrevivência do grupo e pela manutenção de sua soberania territorial.
Nesse sentido, o narcoterrorismo no território brasileiro pode ser compreendido como operador de um novo nomos — entendido como o ato originário de tomada, repartição e ordenação do espaço que funda um regime jurídico-político — porque reconfigura a distribuição concreta do poder e do território mediante a violência organizada e a captura dos mecanismos de decisão.
Sob essa perspectiva, a soberania manifesta-se na decisão sobre a exceção; quando grupos narcoterroristas instauram “praças” e corredores logísticos sob controle armado, decretam, de fato, quem pode circular, comerciar, falar e viver, produzindo micro soberanias que disputam com o Estado a prerrogativa de decidir quando a norma vale e quando pode suspendê-la.
Esse governo por exceção — variável, móvel e pragmático — estabelece jurisdições paralelas que tributam, julgam e punem, instaurando uma legalidade tacitamente reconhecida por populações coagidas e por agentes públicos cooptados, transformando bairros, fronteiras e rotas em espaços politicamente qualificados por um “direito de conquista” criminal.
Nessa dinâmica, tais dispositivos fazem proliferar zonas de indistinção em que a vida é reduzida à condição de exposição absoluta à violência, despojada de garantias: o território controlado converte-se em um espaço no qual a exceção torna-se a regra — um paradigma de governo dessa micro soberania — e onde a pertença jurídica é suspensa para que a ordem se reproduza por meio do medo. É a manutenção do poder através do medo da morte — execuções públicas, bloqueios, atentados e espetacularização do castigo — como um paradigma de governo que produz obediência e garante o comando territorial.
No Brasil de hoje, apagar essas zonas de exclusão e reintegrar esse território é o maior e mais importante desafio do poder público. Sem eliminar as fronteiras dessas zonas de exclusão, veremos brasileiros vivendo à beira de um estado de escravidão, onde a vida está sujeita a quem detém o poder das armas — situação análoga à de quem vive sob o sequestro de grupos terroristas.