“Versões não autorizadas”: o que a regulação das redes realmente pretende conter?

A ofensiva pela regulação das redes sociais voltou à pauta. O projeto que já foi chamado de “PL das fake news” agora tenta renascer com outro nome: “código de defesa do consumidor digital”. O discurso mudou. A intenção, nem tanto.

Não se trata apenas de atualizar marcos legais. O movimento parece ter menos a ver com garantir segurança ao usuário e mais com proteger o sistema de narrativas que escapam do controle. E isso se revela no próprio contexto em que o tema reaparece.

Nos últimos meses, uma série de assuntos sensíveis passou a circular com força nas redes: suspeitas sobre repasses do INSS, os escândalos envolvendo o BPC, a epidemia das bets, o risco de taxação do Pix e o aumento do IOF. Em comum, todos esses temas foram noticiados — mas a repercussão nacional veio de outro lugar: paródias, críticas, memes e análises que viralizaram nas redes e romperam a blindagem institucional. Foi ali que o debate ganhou volume, indignação e consequência política.

É esse tipo de fenômeno que gera desconforto. Porque não se trata de “fake news” no sentido clássico, mas de versões não autorizadas. Leituras que escapam da narrativa oficial e, ainda assim, encontram eco. E mais: formam opinião pública sem intermediação.

É nesse ponto que a regulação entra como ferramenta. Não para impedir mentiras, mas para redefinir o que pode ou não ser dito com base na autoridade de origem. O conteúdo passa a ser medido não pelo mérito, mas pelo canal. Se saiu da imprensa tradicional, é informação. Se viralizou sem carimbo institucional, vira risco.

Chama a atenção que o argumento central da proposta seja a “proteção de crianças e adolescentes”. Mas se essa é, de fato, a prioridade, por que o governo não começa por um programa nacional contra a erotização precoce nas escolas? Por que não há mobilização contra a epidemia das bets, que vicia milhões de jovens em troca de esperança e promessas falsas? A preocupação parece seletiva — e alinhada apenas quando convém ao roteiro político.

A nova roupagem — “proteção do consumidor digital” — tenta suavizar o que está em disputa: o controle da mediação. Não é censura declarada. Mas também não é uma preocupação neutra. É o sistema tentando recuperar o monopólio da versão.

Talvez o problema real não seja a mentira. Seja a autonomia

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