Publicado em 21 de Agosto de 2025
O Brasil já se acostumou a viver sob o ritmo dos vazamentos seletivos. Eles surgem sempre em momentos convenientes, nunca como fruto de uma transparência legítima, mas como ferramenta de gestão da narrativa. Agora, os áudios e mensagens extraídos do celular do presidente Bolsonaro ocupam o noticiário como se fossem revelações de impacto, quando na prática cumprem uma função específica: tirar o foco da crise que realmente ameaça o país: o embate entre a Faria Lima e a corte.
A cronologia recente não deixa dúvidas. Os bancos perderam dezenas de bilhões em valor de mercado em poucos dias, empurrados por declarações de ministros que reforçaram o risco de insegurança jurídica diante de sanções internacionais. A advertência de que nenhuma decisão estrangeira teria efeito automático no Brasil soou como música para uns e como pesadelo para outros. Para quem depende do sistema financeiro americano, a conta é simples: se ignorar a OFAC, perde acesso internacional; se ignorar o Supremo, arrisca punições locais. Esse dilema expôs a fragilidade institucional de forma inédita e trouxe para o centro do debate a crise entre Brasília e Washington, mediada pela Faria Lima.
É exatamente nesse ambiente que os vazamentos aparecem. Não por acaso, ganham espaço nos dias de maior turbulência. Quando a bolsa despenca e as áreas de compliance discutem riscos de sanção, o noticiário passa a girar em torno de trechos escolhidos de conversas privadas. O impacto não é esclarecer, mas reduzir a temperatura de um conflito que poderia se tornar incontrolável. Em vez de discutir a exposição dos bancos a normas internacionais, a opinião pública se perde em especulações sobre frases e áudios.
Esse padrão é recorrente. Toda vez que a tensão ameaça atingir o coração do sistema financeiro, surgem novas “revelações” para ocupar o espaço público. A seletividade não está apenas no conteúdo, mas sobretudo no timing. Se há algo que nunca falta é coincidência entre o dia da crise e a hora do vazamento. Isso não elimina a realidade dos problemas, só os esconde sob a espuma de narrativas.
A consequência é dupla. De um lado, a sociedade é levada a acreditar que o fato político do dia está no áudio ou na mensagem. De outro, a crise real — a que custa bilhões em valor de mercado e aumenta o risco-país — continua avançando em silêncio. O país paga com fuga de capital, queda de ações e perda de credibilidade, enquanto se debate detalhes irrelevantes.
O problema de fundo é que esse ciclo de vazamentos funciona como amortecedor, mas também como anestesia. Ele adia decisões que deveriam ser tomadas com clareza e coragem, tanto pelo sistema político quanto pelo mercado. Enquanto se gasta energia com trechos de conversas privadas, não se enfrenta a falta de previsibilidade institucional, a ausência de coordenação entre as autoridades e a pressão externa que ameaça a solidez financeira do país. O resultado é uma combinação perversa: um sistema em crise e uma sociedade entretida com ruídos.
A lógica é clara: vazamentos seletivos são anestesia. Eles aliviam a pressão momentânea, desviam o olhar, mas não atacam a doença. O embate entre a Faria Lima e a corte permanece, agora mais profundo, porque revela que a confiança na previsibilidade institucional está sendo corroída. E não há áudio ou manchete capaz de reverter os números que o mercado já registrou.
O Brasil já entendeu como esse jogo funciona. Vazamentos seletivos não esclarecem nada. Servem apenas para mudar o foco da crise real: o conflito entre a Faria Lima e a corte, onde está em disputa não apenas a narrativa, mas a própria confiança no futuro do país.