Quando se fala da presença da China no Brasil, o foco imediato recai sobre as cifras: soja, minério, energia, 5G. Mas o avanço chinês vai além das commodities e dos contratos. A nova fase da relação bilateral — intensificada entre 2023 e 2025 — revela um esforço calculado de Pequim em moldar percepções, legitimar sua presença e cultivar afinidades por meio de uma estratégia de influência que mescla infraestrutura com cultura, tecnologia com simbolismo, e negócios com diplomacia pública.
A inserção cultural chinesa não é improvisada. Ela parte de iniciativas concretas: doações de centros culturais, expansão do ensino de mandarim em universidades brasileiras, aumento expressivo das bolsas de estudo para brasileiros na China e patrocínio de eventos culturais e acadêmicos. Em São Paulo e no Rio, comunidades sino-brasileiras vêm sendo mobilizadas para recepções protocolares e festividades que reforçam a imagem de “amizade duradoura”. No G20 de 2024, por exemplo, apresentações públicas de leões e dragões antecederam a visita de Xi Jinping, com apoio logístico do consulado chinês.
Mas o soft power vai além da tradição. A modernização dessa presença se manifesta em ações digitais. Influenciadores brasileiros passaram a produzir conteúdo elogioso sobre infraestrutura chinesa, ferrovias de alta velocidade e parques tecnológicos. Vídeos patrocinados sobre o sucesso urbano de Xangai ou o avanço tecnológico da Huawei se multiplicam no YouTube — alguns, discretamente, com apoio de instituições ligadas ao governo chinês. Essa diplomacia de conteúdo visa reverter estigmas e projetar uma imagem de potência pacífica, pragmática e eficiente.
No campo institucional, a penetração simbólica ganhou novos marcos. A assinatura de acordos entre a EBC (Empresa Brasileira de Comunicação) e a agência estatal Xinhua, bem como entre o Grupo de Mídia da China e a Secom da Presidência, geraram debates sobre a linha tênue entre intercâmbio midiático e influência editorial. A retórica da “Comunidade de Futuro Compartilhado” — expressão típica da diplomacia chinesa — foi oficialmente adotada pelo governo brasileiro em 2024, num gesto interpretado como mais do que cordialidade: um alinhamento narrativo.
Para a China, o soft power não é um ornamento, mas parte da estratégia de presença global. No caso brasileiro, tal influência opera em paralelo aos investimentos. O centro cultural chinês anunciado para Brasília, os acordos acadêmicos e os fóruns sino-latino-americanos ajudam a consolidar o Brasil como ponte entre a China e a região.
O desafio, para o Brasil, está em discernir o limite entre cooperação e absorção simbólica. A presença chinesa traz benefícios, mas exige vigilância estratégica. Influência cultural, ao contrário de obras públicas, não se mede em PIB — mas em percepção, discurso e imaginação coletiva.