Quando pensamos em sanções econômicas, o olhar brasileiro costuma ser externo e passivo — um mero observador distante de uma ferramenta de poder entre grandes potências. Mas tal distanciamento é ilusório. O avanço das sanções como mecanismo de coerção global vem acelerando uma transformação silenciosa: o surgimento de estruturas paralelas de governança, comércio e finanças, fora da arquitetura dominada pelo Ocidente. E compreender isso é essencial para qualquer país que deseje manter algum grau de soberania no século XXI.
Durante a mais recente visita à Rússia, o 5º Elemento entrevistou especialistas em sanções e diplomatas atuantes em organismos multilaterais.
Um ponto comum emergiu: a sanção deixou de ser exceção e passou a ser linguagem corrente da política internacional. O Irã, por exemplo, tornou-se um laboratório involuntário desse fenômeno. Cercado por restrições comerciais, financeiras e tecnológicas, precisou internalizar capacidades, desenvolver indústrias e redes alternativas — algumas ilegais, outras altamente eficientes. A Rússia, após 2014 e especialmente após 2022, vem seguindo caminhos semelhantes.
Esse contexto revela um movimento maior: a criação de infraestruturas paralelas de operação global. Sistemas de pagamentos alternativos ao SWIFT, como o CIPS (chinês) e estruturas bilaterais com compensação em moedas locais; frotas marítimas fora do radar das seguradoras do Lloyd’s; redes diplomáticas e culturais independentes da agenda das fundações ocidentais; e zonas francas de troca tecnológica entre países sancionados. Tudo isso está em construção — silenciosa, resiliente e, muitas vezes, eficaz.
O Brasil, embora não esteja no centro desse jogo, não é um ator neutro. Num país profundamente inserido em cadeias controladas por potências que utilizam sanções como arma — inclusive contra terceiros – significa que, ao depender exclusivamente de sistemas ocidentais de pagamentos, comunicação estratégica e logística internacional, torna-se vulnerável, passível a efeitos colaterais não declarados. A política de sanções não precisa ser dirigida ao Brasil para afetá-lo.
Ao ouvir diretamente esses formuladores russos, o que fica claro é que a criação de sistemas paralelos não é fruto de ideologia, mas de necessidade.
Um país que vive sob a ameaça de ter reservas congeladas, acesso bancário bloqueado e acordos jurídicos desrespeitados, precisa construir alternativas — e , ao que parece, está fazendo isso com rapidez. Um exemplo é a Índia, que se recusa a aderir a sanções unilaterais. Ou da Turquia, que joga com múltiplas moedas e alianças.
A consequência desse novo ambiente é a erosão da ordem unipolar, baseada em confiança institucional no Ocidente. Quando essa confiança é rompida — como ao congelar reservas do Banco Central Russo ou ameaçar sanções secundárias —, os países reagem criando autonomia. Em vez de restaurar a ordem liberal, o uso excessivo de sanções está acelerando a fragmentação do sistema.
Para o Brasil o alerta é evidente. Continuaremos dependentes de canais que podem ser instrumentalizados geopoliticamente? Ou vamos nos desenvolver com aliados estratégicos; com formas próprias de resiliência — comerciais, financeiras, energéticas e tecnológicas?
O mundo caminha para uma governança em blocos, com estruturas de confiança paralelas, adaptadas a choques. Sanções não são apenas instrumentos de punição, são sinais de que a antiga ordem não é mais confiável para todos. E quem quiser permanecer relevante no evidente novo mundo, precisa entender esse movimento — antes que seja engolido por ele.
Para saber mais sobre esse tema e ouvir as entrevistas completas, confira o episódio do programa 5º Elemento no link abaixo: