Quando o sistema cobra lealdade: o editorial de Dirceu e o rompimento silencioso da Faria Lima

O artigo assinado por José Dirceu na CNN não é um exercício de retórica. É uma sinalização política. Quando uma das figuras centrais da engenharia de poder do petismo decide acusar publicamente a Faria Lima de submissão a Trump, o gesto não se limita a uma crítica ideológica. Trata-se de uma cobrança direta. Um recado claro à elite que ajudou a sustentar o atual arranjo institucional e que agora começa a recuar.

O pacto firmado em 2022 entre o governo e o mercado foi informal, mas objetivo. O Estado manteria uma fachada de responsabilidade fiscal, respeitaria a autonomia do Banco Central e evitaria choques diretos com a elite financeira. Em contrapartida, essa elite garantiria a sustentação simbólica do sistema, reforçando a imagem de estabilidade institucional e previsibilidade jurídica, especialmente diante do capital externo. Não era uma aliança de princípios, mas de interesses. Um acordo de sobrevivência mútua.

Esse arranjo começou a se desfazer quando a instabilidade deixou de ser lida como disputa política e passou a figurar, abertamente, como variável de risco. A imposição de tarifas de 50% sobre produtos brasileiros por parte dos Estados Unidos, somada à aplicação de sanções pessoais com base na Lei Magnitsky — legislação americana voltada à responsabilização por violações de direitos humanos e corrupção institucional — alterou o patamar da crise.

Não se trata mais de narrativa. Trata-se de classificação formal. A leitura que antes era atribuída apenas à oposição passou a integrar, oficialmente, a doutrina de política externa de um dos principais centros de poder global. E quando essa leitura se torna pública, mensurável e jurídica, o custo do silêncio institucional aumenta. E o desconforto entre aliados se torna visível.

O que incomoda o núcleo dirigente do regime não é a discordância, mas a omissão. O silêncio do mercado diante das sanções. A ausência de reação institucional à deterioração da imagem internacional. A frieza com que bancos, fundos e consultorias passaram a incorporar o risco jurídico-institucional como dado objetivo de seus relatórios. Para o sistema, esse silêncio não é neutralidade. É ruptura.

O editorial de Dirceu não está voltado à oposição. Está voltado aos aliados que já não se comportam como tais. A elite financeira, ao deixar de repetir a narrativa oficial e ao aceitar — ainda que tacitamente — a leitura de que o Brasil se transformou em uma jurisdição instável e contaminada por anomalias institucionais, quebra o pacto simbólico que sustentava a engrenagem.

Dirceu, ao escrever, não apenas denuncia. Ele exige. Exige que o mercado contenha a leitura externa. Que relativize o impacto das sanções aplicadas sob o marco da Lei Magnitsky. Que mantenha, ao menos no discurso, a tese da estabilidade. O editorial é um teste de fidelidade. Um lembrete de que quem ajudou a manter o sistema não tem o direito de abandoná-lo no meio do percurso.

A elite acreditou que poderia atravessar este governo sob o véu da neutralidade. Que bastaria não confrontar e manter os fluxos. Mas o colapso da confiança institucional agora exige posicionamento. E quando o regime precisa escalar sua voz mais experiente para cobrar lealdade dos que antes chamava de parceiros, é porque já não se sente seguro nem entre os seus.

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