Publicado em 09 de Agosto de 2025
O mercado financeiro não deveria minimizar a ordem de Donald Trump que classificou cartéis como organizações terroristas. A decisão, embora cercada de interpretações políticas, acerta ao ir além do campo militar e abre caminho para um conjunto de medidas que impactam diretamente o funcionamento do sistema financeiro e das cadeias de comércio internacional. Ao alterar a forma como fluxos de capital e mercadorias são examinados, os Estados Unidos elevam o nível de exigência para qualquer operação ligada a setores sensíveis, mesmo quando realizada no mercado formal.
Isso pode alcançar bancos, fundos, exportadores e cadeias logísticas com algum grau de exposição a fluxos suspeitos. Pode significar triagem mais rigorosa, cruzamento de dados com listas de sanção, bloqueios preventivos e exigência de auditorias e rastreabilidade. Não se trata apenas de punir organizações criminosas, mas de apertar o cerco sobre toda a rede econômica que dá suporte a essas atividades, direta ou indiretamente. É uma pressão legítima que, ao redefinir o patamar de compliance, afeta a precificação de risco de forma estrutural.
O efeito menos visível está na cadeia de suporte. Portos, terminais e operadores logísticos vinculados a rotas de maior risco podem ter seguros e fretes reprecificados ou até negados, não por decisão de governos, mas por ajustes internos de seguradoras e resseguradoras globais. Esse movimento, quando ocorre, cria gargalos comerciais capazes de afetar prazos, custos e competitividade de exportadores legítimos que utilizam as mesmas rotas.
Outro impacto silencioso está nos fluxos de investimento. Fundos e seguradoras estrangeiras, ao identificarem que determinados setores ou regiões passaram a exigir controles mais rigorosos, podem decidir redesenhar carteiras para evitar exposição a custos adicionais de compliance. Isso pode provocar saídas graduais de capital e realocação de recursos sem que haja qualquer anúncio formal de sanção. É o tipo de reação que altera o fluxo de crédito e encarece o financiamento internacional de forma difusa, mas persistente.
Essa dinâmica demonstra que, no cenário global atual, não é preciso um embargo ou uma medida ostensiva para gerar efeito econômico relevante. A simples elevação dos padrões de verificação, quando aplicada por economias centrais, cria filtros mais duros para a participação no comércio e no sistema financeiro internacionais. E, ao contrário do que muitos imaginam, esses filtros não miram apenas operações ilícitas: eles se estendem a todos os agentes que compartilham infraestrutura, mercados ou cadeias de suprimento com áreas de risco.
Compreender isso é fundamental para que o Brasil se posicione de forma estratégica. A ordem de Trump é legítima como instrumento de combate ao crime organizado, mas carrega implicações que vão além da segurança pública. Ignorar seu alcance é negligenciar o fato de que a política externa pode alterar, de forma indireta e duradoura, o custo do dinheiro, o preço do seguro e a facilidade de acesso a mercados estratégicos. Para o investidor e para o formulador de políticas, entender essa engrenagem não é opção — é questão de sobrevivência econômica.