Por: Lorenzo Carrasco e Geraldo Luís Lino
Promovida a cada dois anos pela Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares (ABDAN), a Nuclear Trade & Technology Exchange (NT2E) é o principal evento de tecnologia e negócios do setor nuclear nacional.
A edição de 2025, realizada no Rio de Janeiro (RJ), proporcionou o vislumbre de uma perspectiva das mais interessantes e promissoras para o setor energético brasileiro: o possível ingresso da Petrobras na área nuclear, com o emprego de pequenos reatores modulares (SMR – Small Modular Reactors) em suas atividades exploratórias.
Uma dessas aplicações seria usá-los como fontes energéticas em navios-plataformas (FPSO – Floating Production Storage and Offloading), embarcações capazes de produzir, armazenar e transferir petróleo e gás natural. Como explicou o engenheiro sênior do Centro de Pesquisas Leopoldo Américo Miguez de Mello (CENPES), Edgar Poiate:
“Já mapeamos e ranqueamos as tecnologias disponíveis, levando em conta o quando seria possível reduzir as emissões por barril de óleo produzido. Com as tecnologias atuais, já é possível reduzir cerca de 55% das emissões de CO₂ [dióxido de carbono]. No entanto, para atingir o chamado net zero, precisaremos incorporar novas tecnologias – e a energia nuclear aparece entre elas como um dos meios para alcançar essa meta (Petronotícias, 22/05/2025).”
Um FPSO tem uma demanda de eletricidade de 150 megawatts (MW) e 40-80 MW térmicos. Atualmente, a alimentação dos navios é feita por turbinas a gás natural, mas os SMR poderiam representar uma alternativa viável, inclusive para a redução de espaço e peso na parte superior (topside) dos FPSO. De novo, o engenheiro Poiate:
“Por isso, estamos investindo na tecnologia submarina. Quanto mais equipamentos pudermos transferir do topside para o leito marinho – como separadores de óleo-água, gás-líquido, bombas e compressores –, melhor. Isso reduz a energia necessária para elevação dos fluidos, diminui o tamanho e o custo do FPSO, e ainda melhora a eficiência geral do sistema. Esses equipamentos submarinos consomem, em média, entre 4 e 12 megawatts elétricos.”
A Petrobras avalia duas possibilidades para a utilização dos SMR: embarcados e integrados no próprio FPSO ou instalados em uma embarcação específica para funcionar como centro de força (power hub), alimentando até três FPSOs.
No primeiro caso, a operação de troca de combustível do reator teria que ocorrer no próprio navio, uma vez que os FPSOs são projetados para permanecer em suas posições durante toda a sua vida útil. No segundo, o abastecimento de vários FPSOs implicaria no desafio adicional do emprego de cabos submarinos capazes de suportar cargas dinâmicas em ambientes de correnteza, ondas e ventos.
Uma hipótese ainda mais ousada seria a utilização submarina de microrreatores que operam na faixa de 3-5 MW. De acordo com Poiate:
“Esses dispositivos poderiam alimentar diretamente equipamentos instalados no leito marinho, como bombas injetoras de água ou CO₂ supercrítico, compressores para reinjeção de gás, ou separadores submarinos óleo-água e gás-líquido. Dependendo da potência do SMR, seria possível atender a vários desses sistemas simultaneamente.”
Na NT2E, a empresa norte-americana Westinghouse Electric Company, projetista do microrreator eVince (5 MWe), assinou um acordo com a brasileira Constellation visando uma cooperação técnica com aplicações potenciais na indústria petrolífera. Em paralelo, o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN) de São Paulo e o Instituto de Engenharia Nuclear (IEN) do Rio de Janeiro, órgãos técnicos da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), apoiados pelas empresas Diamante Geração de Energia, Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e Terminus Pesquisa e Desenvolvimento em Energia, além de várias universidades, desenvolvem um projeto de três anos para validar a viabilidade técnica de um microrreator de 3 MW, capaz de operar por cerca de dez anos sem reabastecimento.
Tais possibilidades proporcionam uma oportuna lufada de ar fresco para as discussões sobre a conversão da Petrobras em uma empresa de energia (como se já não fosse uma), com a introdução de tecnologias de densidades energéticas uma a duas ordens de grandeza superiores às fontes geralmente apontadas como tecnologias “limpas”, em especial as eólicas offshore, investimentos que outras majors petroleiras já começam a descartar.
Assim, em um setor historicamente prejudicado por prioridades e orçamentos reduzidos, a entrada da Petrobras na área nuclear, se concretizada, apresenta um importante potencial de alavancagem. Além de um poderoso fator de disseminação de tecnologias de ponta em vários setores econômicos e de pesquisa.
Cruzemos os dedos e torçamos.