
Por: Lorenzo Carrasco e Geraldo Luís Lino
A Noruega vinha sendo um dos países mais engajados na agenda da “descarbonização” da economia mundial, pelo menos em termos propagandísticos. O país nórdico é um dos principais apoiadores de iniciativas de proteção ambiental e de povos indígenas em todo o mundo, com desembolsos anuais da ordem de centenas de milhões de dólares, inclusive, para o Fundo Amazônia brasileiro, do qual é o principal patrocinador desde a sua criação, em 2008.
Todavia, fatos recentes sugerem que os noruegueses estão se rendendo à realidade dos múltiplos percalços da substituição acelerada dos combustíveis fósseis – que, de resto, não tem qualquer justificativa real.
No final de janeiro, o Partido do Centro se retirou da coalizão de governo com o Partido Trabalhista, deixando o país com um governo de minoria e obrigando a realização de novas eleições parlamentares em setembro próximo. A decisão deu-se pela recusa dos centristas em apoiar um novo pacote de medidas da União Europeia (UE) sobre energias limpas, referentes à ampliação do uso de energias renováveis e às normas de eficiência energética para a construção de infraestrutura.
“Nós dizemos chega, esse é o limite. Estamos fazendo isso para mudar a política de eletricidade norueguesa e criar uma dinâmica onde possamos tomar medidas que possam dar-nos preços de eletricidade mais baixos e estáveis, e que não devemos ceder mais poder à UE”, disse Trygve Slagsvold Vedumo, líder do Partido do Centro e, até então, ministro das Finanças. (Politico.eu, 30/01/2025).
Embora não seja membro formal da UE, a Noruega integra a Área Econômica Européia (AEE), sendo obrigada a seguir a legislação do bloco, a menos que invoque um direito de reserva. O PC se opõe fortemente à AEE, que dá ao país o acesso ao mercado interno do bloco europeu, inclusive com a exportação de eletricidade via cabos submarinos, em especial para a Alemanha, às voltas com sérios problemas de abastecimento causados pela grande proporção das fontes “limpas” – basicamente, eólicas e solares – no seu parque gerador.
Uma consequência direta dessa política é a alta dos preços internos da eletricidade, que, em 2023-2024, foram mais de 50% maiores que no período 2010-2020.
Curiosamente, a Noruega dispõe de um dos parques geradores mais descarbonizados do mundo, com mais de 90% da sua eletricidade sendo gerados por usinas hidrelétricas, cujas exportações contribuem bastante para “limpar” as matrizes dos vizinhos, ao custo de preços mais altos pagos por seus próprios consumidores, tanto residenciais quanto comerciais.
A insatisfação popular resultante desse cenário contribuiu consideravelmente para o desgaste da coalizão governista.
Em uma coluna publicada pela agência Bloomberg em 3 de fevereiro, o colunista de energia e commodities Javier Blas explicou:
“O problema é ao mesmo tempo complexo e simples. Graças aos cabos transfronteiriços, maravilhas da engenharia frequentemente colocadas sob o mar e custando mais de US$ 1 bilhão cada, o mercado de energia europeu é muito mais eficiente do que antes de sua liberação em meados da década de 1990. Mas, em economia, eficiência tem um significado diferente do que em política. No primeiro caso, significa ‘preços médios mais baixos para todos’; no segundo, significa ‘preços mais baixos apenas para meus próprios eleitores’. O ponto crítico aqui é que os eleitores noruegueses estão pagando preços mais altos de eletricidade para que os alemães não enfrentem custos ainda maiores.
“O colapso do governo norueguês ocorreu meses após uma disputa entre a Suécia e a Alemanha, depois que Estocolmo rejeitou o pedido de Berlim para construir outra conexão transfronteiriça. Em 2023, a Noruega rejeitou um pedido britânico de um cabo submarino para a Escócia. Crucialmente, quem quer que ganhe a próxima eleição norueguesa, eles provavelmente descartarão um par de cabos de 50 anos que conecta a Noruega à Dinamarca. Se isto acontecer, isso indicaria que outros interconectores transfronteiriços poderão estar em perigo quando chegarem ao fim de sua vida útil, e que novos projetos para substituí-los – e também expandir a capacidade além do projeto atual – podem nunca ser construídos.”
Depois de desfiar críticas aos planos europeus de “esverdeamento” da geração elétrica, Blas sentencia que, “o atual mercado europeu de eletricidade é disfuncional, os preços são muito altos e a falta de geração de base e despachável deveria ser uma preocupação”.
Em todo o mundo, a despeito dos delírios dos ambientalistas e outros iludidos, a geração de base capaz de fornecer eletricidade despachável 24 horas por dia em quaisquer condições de tempo somente pode ser atendida por usinas termelétricas, hidrelétricas e nucleares. Sendo que as primeiras, mesmo após décadas de incentivos e subsídios às fontes eólicas e solares, continuam respondendo por mais de 60% da geração mundial.
Assim sendo, não é por acaso que, em fevereiro, a petroleira estatal norueguesa Equinor tenha anunciado o virtual abandono dos seus planos anteriores de expansão de investimentos em energias renováveis e concentrando-se no core business da produção de petróleo e gás natural.
Segundo o site Blackout News (11/02/2025), a empresa reduziu de 16 para 12 gigawatts (GW) a sua meta de renováveis para 2030, ao mesmo tempo em que buscará um aumento superior a 10% na produção de petróleo e gás até 2027.
O CEO da empresa, Anders Opedal, justificou a nova estratégia com argumentos econômicos: “Nós estamos tomando medidas estritas para adaptar-nos ao mercado como o vemos.”
De acordo com ele, o foco da empresa será na geração de valor para os acionistas (o Estado norueguês controla diretamente 67% das ações e o fundo de pensões do governo detém outros 4%, sendo o restante pulverizado entre numerosos acionistas privados), além de apontar para um cenário incerto para as energias renováveis.
Não deixa de ser irônico que a estratégia da Equinor e de seu acionista principal esteja no rumo oposto ao adotado pelo Brasil, onde a Petrobras enfrenta toda sorte de obstáculos – a começar pela ala fundamentalista verde do governo – para a expansão da sua produção de hidrocarbonetos.
Mas, definitivamente, os ventos do Norte não estão favoráveis aos moinhos eólicos e seus equivalentes solares.