
O julgamento de Jair Bolsonaro, que começa hoje na Primeira Turma da mais alta corte, é um espetáculo que escancara a desproporcionalidade, o cinismo e a seletividade de um sistema judicial que parece ter perdido qualquer vestígio de coerência ou imparcialidade. Também é a prova viva de que existem dois Brasis: um onde a lei é um instrumento de poder para proteger os aliados do establishment, e outro onde ela é uma guilhotina implacável contra os desafetos políticos. Enquanto o ex-presidente é colocado no banco dos réus por supostas intenções baseadas em um papel sem sua assinatura, a memória curta da corte ignora vandalismos passados patrocinados pela esquerda e absolve figurões do Petrolão com a mesma tranquilidade com que condena uma manicure por uma frase grafada com um batom vermelho em uma estátua.
Vamos começar por Débora, a manicure que virou símbolo dessa tragicomédia. Presa desde março de 2023, ela pode pegar uma pena de 14 anos proposta pelo ministro Alexandre de Moraes por escrever “Perdeu, mané” com batom na estátua da Justiça durante os atos de 8 de janeiro. Quatorze anos! Um castigo que ultrapassa qualquer noção de proporcionalidade para um ato que, no máximo, poderia ser enquadrado como pichação. Essa mesma corte, assistiu impassível aos ataques de 2013 e 2016, quando militantes de esquerda vandalizaram suas instalações em protestos. Vidraças quebradas, coquetéis molotov, caos nas ruas – e as condenações? E os 14 anos de cadeia para esses “defensores da democracia”? Silêncio sepulcral. No Brasil dos intocáveis, a justiça é cega; no Brasil dos vulneráveis, ela enxerga além da realidade.
E o que dizer do prédio da ministra Cármen Lúcia, vandalizado em 2018 por movimentos de esquerda que jogaram tinta vermelha e gritaram palavras de ordem contra o Judiciário? Ninguém foi preso, ninguém foi julgado, ninguém sequer foi incomodado. O ato foi tratado como um mero exercício de “liberdade de expressão”. Mas quando se trata de uma manicure bolsonarista com um batom ou de um ex-presidente com um rascunho que nem assinou, a balança da justiça vira um martelo de condenação implacável. São dois Brasis em choque: um onde a tinta vermelha é poesia, outro onde o batom vermelho é crime hediondo.
A desproporcionalidade atinge seu ápice quando olhamos para o Petrolão. O maior esquema de corrupção da história brasileira, que desviou bilhões dos cofres públicos, viu seus protagonistas – muitos deles com provas robustas contra si – serem absolvidos ou agraciados com penas leves pela mesma corte que agora quer crucificar Bolsonaro. José Dirceu, condenado a mais de 30 anos, está solto. Delúbio Soares, Antônio Palocci, figurões do PT, todos receberam tapinhas nas costas e a chance de recomeçar. Mas um documento sem assinatura, encontrado em uma investigação que mais parece uma caça às bruxas, é suficiente para colocar o ex-presidente na mira de uma Primeira Turma que já tem o veredicto pronto antes mesmo de abrir a boca. No Brasil dos privilegiados, a corrupção é um deslize; no Brasil dos marcados, uma intenção não provada é um golpe.
Esse julgamento não é sobre justiça; é sobre vingança e poder. A corte que se autoproclama guardiã da democracia se comporta como um tribunal de exceção, onde a gravidade dos crimes é medida pelo alinhamento político do acusado. Bolsonaro pode até ter seus defeitos, mas acusá-lo de golpe com base em indícios frágeis, enquanto ignora-se os crimes concretos da esquerda, é um escárnio. Débora, com seu batom, é uma vítima colateral dessa máquina punitiva que esmaga os pequenos para exibir troféus políticos. São dois Brasis gritantes: um onde os poderosos saem impunes, e outro onde os comuns pagam o preço da ira seletiva.
O Brasil de verdade merece mais do que esse triste espetáculo. Merece uma justiça que não troque a balança por um porrete, que não confunda proporcionalidade com perseguição. Enquanto a corte se move na hipocrisia, o povo assiste, entre a revolta e o cansaço, a um teatro onde os vilões de ontem são os heróis de hoje, dependendo apenas de quem está no palco e de qual Brasil eles representam.