
Não é novidade que as chamadas “bets” – plataformas de apostas legais ou não – têm devastado famílias por todo o Brasil, drenando os recursos de quem muitas vezes não tem nem o básico para sobreviver. Esse fenômeno, que já se consolidou como uma praga social, agora ganhou um agravante: os governos que deveriam combater o problema e oferecer soluções reais, resolveram se tornar cúmplices do vício. Em vez de priorizar políticas que levem à criação de empregos, o investimento em educação ou a garantia de renda digna – pilares de qualquer administração séria –, o Estado optou por lucrar com a desesperança, expandindo as loterias estatais como se fossem uma resposta legítima aos desafios do país.
O governo federal, com as loterias da Caixa, arrecadou mais de 23 bilhões de reais em 2023, segundo dados oficiais, com a promessa de que parte seria destinada a políticas sociais – saúde, educação, cultura etc. No entanto, basta olhar ao redor para questionar a eficácia desse discurso – hospitais seguem sem medicamentos, escolas continuam em condições precárias, e a desigualdade só aumenta. Na prática, o sistema funciona como uma máquina de ilusão. Para cada 100 reais apostados, cerca de 40 voltam como prêmios, e o restante é embolsado pelo Estado, enquanto famílias se endividam na esperança de um milagre.
Simultaneamente, as bets privadas autorizadas colhem lucros exorbitantes. Em 2023, estima-se que essas empresas faturaram entre 8 e 20 bilhões de reais, conforme relatório do Itaú BBA, enquanto os apostadores perderam mais de 23 bilhões na tentativa de enriquecer. Em 2024, com o mercado em expansão e a regulamentação começando a se estruturar, o lucro das bets pode ter alcançado cerca de 25 bilhões, considerando que o setor movimentou aproximadamente 130 bilhões no ano, segundo o Valor Econômico. Para 2025, até março, a projeção aponta que essas plataformas já lucraram ao menos 7 bilhões de reais – um cálculo baseado no ritmo de 2024 e na entrada de 66 empresas autorizadas, que desembolsaram 2 bilhões em outorgas para operar legalmente, conforme dados do mercado. São números impressionantes que revelam uma verdade incômoda: o dinheiro que sai do bolso do povo financia tanto o lucro privado quanto os cofres públicos.
O mais grave, porém, é o efeito colateral dessa política. Ao expandir as loterias estatais, o governo legitima as bets privadas, que operam com regulamentação frouxa e lucram bilhões às custas do vício da população mais vulnerável. É como se o Estado dissesse, “Se nós podemos explorar a desesperança, por que os outros não podem?”. O resultado é previsível: mais dependência, mais miséria e menos perspectivas de um futuro digno. Criar empregos e gerar renda exigem esforço, planejamento e compromisso – já lançar uma nova loteria ou autorizar bets são soluções cômodas, que transferem o ônus para o cidadão. É arrecadação disfarçada de esperança.
A ironia beira o cinismo. Em um país que clama por políticas públicas sérias, o governo prefere apostar na desgraça popular. Loterias estatais ou bets autorizadas – os nomes mudam, mas o jogo é o mesmo: um sistema viciado em que o povo sempre sai perdendo. Até quando aceitaremos que a solução para nossos problemas seja reduzida à incerteza de um bilhete de apostas?