O que está em jogo com o iFood?

O iFood ainda é útil. Muita gente começou vendendo bolo, marmita, lanche simples — e conseguiu estruturar um negócio com a ajuda da plataforma. Esse mérito existe e precisa ser reconhecido.

Mas o modelo mudou. O que era uma ponte entre o restaurante e o consumidor virou uma estrutura de controle.

Hoje, o iFood decide quem aparece, quanto se cobra, quanto o restaurante recebe — e pode simplesmente tirar alguém do ar. Cobra até 30% de comissão, impõe regras sem negociação e submete o pequeno empreendedor à lógica de um algoritmo que ele não compreende nem domina.

É esse desequilíbrio que começa a chamar atenção.

A Federação de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares do Estado de São Paulo (FHORESP), que representa mais de 500 mil estabelecimentos, iniciou um movimento de boicote à plataforma

. O argumento é direto: comissões altas, falta de transparência e um grau de poder que ultrapassou os limites da intermediação comercial.

E o ponto merece ser levado a sério.

O iFood passou a operar como banco, distribuidor, fiscal e juiz. Ele não apenas intermedeia uma relação — mas estrutura todo o ecossistema ao redor de si. Essa concentração de funções, somada ao volume de dados que coleta e à capacidade de ordenar a visibilidade dos parceiros, configura algo próximo de uma infraestrutura privada. Sem regulação, sem transparência e sem contraponto.

Hoje, os critérios são financeiros. Amanhã, podem ser ambientais, ideológicos ou políticos.

A depender da direção que o mercado tomar, um restaurante pode ser penalizado por “emitir carbono demais”, por não se alinhar aos “valores da marca” ou por postagens em redes sociais que entrem em conflito com as diretrizes da empresa. Isso já ocorre, em diferentes graus, em outras plataformas.

Não se trata de questionar o avanço da tecnologia, nem de sugerir retorno a um modelo analógico. A questão é outra: quando uma plataforma assume um papel central em um setor inteiro da economia, ela precisa operar com algum grau de responsabilidade sistêmica.

Isso envolve regras claras, interoperabilidade, possibilidade de portabilidade de dados, canais de contestação e limite para cláusulas de exclusividade. O que não se pode aceitar é a naturalização de um modelo onde uma empresa privada tem o poder de decidir quem participa do mercado e em quais condições.

O iFood tem méritos, mas também carrega responsabilidades.

Buscar esse equilíbrio será um desafio grande.

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