A recente fraude de R$ 6,3 bilhões no INSS expõe algo mais profundo do que corrupção isolada. Trata-se da normalização de uma engrenagem onde os mais vulneráveis são integrados ao sistema não como cidadãos, mas como fluxo de receita. E o papel do Estado, nesse contexto, não é apenas omisso. É estrutural.

Aposentados relataram descontos em seus benefícios sem autorização, direcionados a entidades com as quais jamais mantiveram vínculo. A CGU revelou que 97% dos entrevistados não tinham ciência de suas supostas adesões. Estes descontos foram possíveis graças a acordos formais entre o INSS e essas entidades. O arranjo era legal — a autorização, nem sempre. É a institucionalização da extração, com aparência de regularidade.

Em paralelo, o crescimento explosivo das apostas online no Brasil revela outro lado dessa lógica. Plataformas licenciadas operam com ampla exposição, promovidas por figuras públicas e associadas a eventos esportivos de massa. O discurso é de “entretenimento” e “oportunidade”. Mas os relatos que se acumulam são de endividamento, ruína financeira e desestruturação familiar. O fenômeno não pode mais ser lido apenas como comportamento individual. Ele integra uma lógica sistêmica.

Ambos os casos revelam como diferentes segmentos da população — aposentados, jovens desempregados, trabalhadores precarizados — são convertidos em alvos de estratégias recorrentes de monetização. Não se trata de erro ou desvio. Trata-se de modelo. Um ambiente institucional que legitima práticas de extração contínua sob o selo da legalidade.

Não há aqui acusação genérica ao “mercado” ou idealização de um “Estado protetor”. O ponto é outro: há uma convergência objetiva entre setores públicos e interesses privados na construção de estruturas que extraem valor justamente daqueles com menor capacidade de defesa técnica, jurídica ou financeira.

O Estado brasileiro, em vez de servir como barreira de contenção, muitas vezes atua como viabilizador. A chancela de acordos com entidades de fachada, a ausência de supervisão sobre apostas online, a conivência com modelos de crédito agressivo — tudo isso revela uma engenharia institucional que permite, quando não estimula, a financeirização da vida cotidiana.

A fraude no INSS e a proliferação das bets não são fenômenos isolados. São manifestações complementares de um mesmo ambiente político-econômico: um que transforma cidadãos em clientes cativos de uma engrenagem que gira sempre no mesmo sentido — do bolso do vulnerável para o centro do poder.

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