Publicado em 29 de Agosto de 2025
A entrevista de Ciro Nogueira, longe de ser apenas uma análise ou desabafo, foi a oficialização de um roteiro já em movimento. Com tranquilidade cirúrgica, Ciro confirmou que a anistia de Jair Bolsonaro só será debatida após o julgamento. Não se trata de opinião, mas de alinhamento com o que Barroso já havia declarado. O Judiciário condena, o Congresso anistia, e o sistema respira. Não há conflito entre Poderes. Há sincronia.
Esse é o primeiro alerta: a anistia, vendida como um gesto de pacificação, foi transformada em instrumento de disciplina. Ela não será negada, mas condicionada. A sua função, agora, é política. Serve para garantir que Bolsonaro esteja inelegível, derrotado juridicamente, antes que qualquer gesto de clemência se materialize. Uma maneira elegante de controlar o tempo, esvaziar a reação e administrar o dano.
Mas é quando Ciro fala sobre a sucessão que a engrenagem se revela por completo. Ele afirma, sem hesitação, que seu candidato não é Bolsonaro, mas Tarcísio. E não fala como alguém que apenas expressa preferência pessoal. Fala como operador do sistema. O nome de Tarcísio aparece como resposta viável à crise fabricada. O governador é descrito como técnico, confiável, sem desgastes, apto a conduzir o país com estabilidade. Estabilidade para quem?
É preciso entender o subtexto: a elite está redesenhando o jogo para manter o capital eleitoral do bolsonarismo, mas com outro condutor. Bolsonaro segue útil como vitrine, mas perde a centralidade. O foco da entrevista não é o combate à inelegibilidade, nem o clamor por justiça. É a tentativa de suavizar a substituição. A base que foi às ruas, que resistiu à censura, que sustentou o governo nos piores momentos, agora assiste a um processo em que não tem voz nem veto.
E o silêncio em torno disso é ainda mais ruidoso. Nenhum membro da família Bolsonaro está na mesa de negociações. Nenhum nome com vínculo real com a militância foi convidado a opinar. O sistema organiza a transição como se fosse apenas uma atualização de software: muda-se a interface, preserva-se a função. Mas a política não é um programa meramente técnico. É vínculo, é sangue, é história. E é aí que o plano escorrega.
Ao naturalizar a inelegibilidade de Bolsonaro e apresentar a anistia como um capítulo pós-julgamento, Ciro cumpre uma função estratégica: além de normalizar a exclusão de Bolsonaro, ele ensaia a legitimação do substituto. Tenta convencer que o caminho já está traçado, que o novo nome já foi aceito, que o jogo precisa apenas seguir. A base, nesse cenário, vira espectadora de um espetáculo montado nos bastidores.
Mas há um detalhe que o roteiro não prevê: o público já entendeu que a peça está sendo encenada sem os protagonistas. E quando isso acontece, nem sempre o final sai como o autor imaginou.