O Centrão sempre foi mestre em sobreviver às mudanças de regime. Ao longo das últimas décadas, esse agrupamento amorfo de partidos e lideranças se especializou em uma única arte: adaptar-se a qualquer governo em troca de cargos, verbas e influência. Não importa se o Planalto era ocupado por FHC, Lula, Dilma, Temer ou Bolsonaro, o Centrão estava lá, sempre pronto para negociar sua lealdade. A lógica é simples: garantir mandatos e preservar privilégios, custe o que custar.
Foi dentro desse raciocínio que o grupo participou do processo que manteve Jair Bolsonaro fora da disputa. Acreditavam que bastava uma indicação do ex-presidente, ainda que sem o sobrenome na urna, para reproduzir a força eleitoral do bolsonarismo. Tratavam a família Bolsonaro como um “ativo de campanha”, algo a ser instrumentalizado e descartado quando conveniente. No cálculo frio da política tradicional, a marca “Bolsonaro” era um selo que poderia ser colado em qualquer chapa com chances de vitória.
O tempo, porém, mostrou outra realidade. Sem um Bolsonaro no protagonismo, o eleitorado não responde da mesma forma. As pesquisas, os movimentos de rua e o termômetro das redes sociais evidenciam que o capital político da direita não é transferível como mercadoria de prateleira. A força vem da identificação direta com a família que personificou a oposição ao sistema, algo que nenhum apadrinhamento é capaz de substituir. O Centrão, que acreditava ter encontrado uma fórmula infalível, agora percebe que não consegue manter seus mandatos sem a legitimidade que o sobrenome Bolsonaro garante.
É nesse momento que a narrativa de transferência de culpa entra em cena. Para evitar o desgaste, líderes do Centrão tentam construir a versão de que Eduardo Bolsonaro seria responsável por uma eventual derrota. A jogada é transparente: se der errado, o problema não foi a falta de coragem do sistema em enfrentar o governo ou a incapacidade de apresentar alternativas viáveis, mas sim o “radicalismo” do filho do ex-presidente.
O caso de Ciro Nogueira é emblemático. Em vez de somar forças com Eduardo, que tem musculatura política e apoio popular reais, preferiu trabalhar nos bastidores para minar suas chances. O raciocínio é pragmático: um Bolsonaro independente, sem amarras com o Centrão, ameaça a sobrevivência do sistema mais do que qualquer governo de esquerda. Eduardo não é visto apenas como candidato, mas como alguém capaz de redesenhar alianças e mexer em estruturas que garantem o poder de caciques acostumados a ditar as regras. Para Ciro, melhor apostar contra do que correr o risco de ser engolido por um aliado incômodo.
A contradição é evidente: o Centrão, que deveria atuar como fiador da governabilidade, tornou-se cúmplice de uma engenharia política que excluiu Bolsonaro da disputa. Agora, diante do risco de naufrágio eleitoral, tentam terceirizar a culpa para Eduardo. No fundo, não é estratégia eleitoral, é medo existencial. O sistema teme que a direita, sob liderança de alguém incontrolável, se torne mais forte do que o próprio sistema que sempre blindou os velhos partidos.
Essa é a essência da crise: o Centrão não teme Lula, que conhece, negocia e manipula com facilidade. O que realmente assusta é a possibilidade de um Bolsonaro livre, capaz de expor a dependência e a fragilidade de quem sempre governou nos bastidores.