O governo projeta que o BPC dobrará até 2055, alcançando 14 milhões de beneficiários. O número é tratado como risco fiscal, mas seu significado é mais profundo: consolida o avanço silencioso de um modelo de empobrecimento programado — onde o Estado abre mão de gerar riqueza e se especializa em administrar a escassez.
Esse processo não nasce no social, mas na arquitetura econômica. O Banco Central, sob o manto da neutralidade técnica, atua como barreira estrutural ao crescimento. Sua função deixou de ser coordenação macroeconômica para se tornar blindagem institucional do rentismo. Com juros reais entre os mais altos do mundo, a política monetária opera como mecanismo de extração de renda, travando qualquer tentativa de industrialização ou planejamento soberano.
Ao lado dele, a CVM consolida seu papel como regulador funcional ao capital transnacional. Em vez de viabilizar o financiamento produtivo, canaliza esforços para impor métricas ambientais e sociais padronizadas por fundos estrangeiros. O ESG, nesse arranjo, não é instrumento de sustentabilidade real — mas de hierarquização do território segundo critérios alheios à nossa realidade econômica.
Resultado: o Estado se divide entre a inoperância para desenvolver e a eficiência para preservar os ganhos financeiros. Incapaz de articular um projeto de crescimento autônomo, responde com agilidade às exigências do mercado, enquanto transfere à assistência social a tarefa de conter os efeitos do colapso produtivo.
É nesse ponto que a curva do BPC se torna sintomática. A dependência não é uma anomalia, mas uma consequência lógica de uma economia desmontada por dentro. Quando se elimina o trabalho produtivo, quando se substitui o crédito industrial por títulos verdes e se estimula o cassino digital como fonte de renda, resta ao Estado o papel de gestor da pobreza.
Essa lógica não é exclusividade brasileira. No Canadá, onde a vulnerabilidade social também se expandiu sob a promessa de modernização econômica, a resposta institucional foi outra: legalizou-se a eutanásia assistida, inclusive para doentes crônicos e pessoas em sofrimento persistente. Oficialmente, a política se ancora na ideia de autonomia individual — mas não faltam denúncias de que a prática vem sendo usada como saída diante da falta de assistência, cuidado ou amparo público. Quando o Estado perde a capacidade de oferecer soluções, começa a legitimar o descarte como escolha.
No Brasil, esse discurso ainda não é dito em voz alta. Mas a racionalidade já se insinua. O mesmo Estado que normaliza o empobrecimento, que regula para fora e remunera o capital improdutivo, tende a importar também os remédios do cinismo tecnocrático.
A pergunta, portanto, não é quantos estarão no BPC em 2055. A questão é se o país continuará aceitando um modelo que o prepara apenas para isso — e nada além.