O Duplo Padrão da Independência: Quando o Banco Central É Técnico Para Uns e Conveniente Para Outros

Publicado em 05 de Setembro de 2025

O Estadão escreveu que só um Banco Central independente pode contrariar os poderosos. Mas ignorou decisões do próprio BC que, segundo reportagem publicada no Bastidor, teria beneficiado o BTG em 11 bilhões de reais. A informação está documentada, é pública, mas o jornal preferiu não cobrir. Nenhuma palavra sobre o caso. Nenhuma linha sobre a diretoria que assinou a decisão. Nenhuma análise sobre o impacto sistêmico de uma transferência dessa magnitude dentro de um setor altamente concentrado.

Esse texto não tem a intenção de defender o Master, o BRB ou qualquer outro banco. A operação pode ter sido mal estruturada. Pode ter havido excesso de risco. Pode ter sido barrada com razão. Mas o ponto é outro. Existe uma assimetria clara na forma como determinados agentes são tratados. Alguns têm seus movimentos imediatamente associados à instabilidade, à suspeita, à imprudência. Outros passam ilesos por decisões de impacto muito maiores.

O mesmo jornal que se apresenta como defensor da autonomia do BC decidiu ignorar uma movimentação bilionária que envolveu um dos bancos mais bem posicionados politicamente no país. O mesmo jornal que acusa pressões políticas contra a autoridade monetária não emitiu uma linha sobre a influência do mercado sobre as direções do próprio Banco Central. E isso não é secundário. Está no modo como o sistema opera.

Autonomia não resolve tudo. E não é neutra. Um BC fora do alcance de qualquer direção política também fica mais exposto a outros tipos de pressão. Hoje, mesmo sem autonomia plena, já há decisões que favorecem determinados grupos do mercado sem explicação ou debate. Se esse modelo avança, esse tipo de movimento tende a se repetir. E quando isso se repete, o preço é pago por quem não está na mesa.

Nos Estados Unidos, a disputa entre Trump e o FED deixa isso evidente. Um presidente eleito tenta orientar a economia. O Banco Central resiste. Mas essa resistência também é uma escolha. Também tem lado. E não há nada de neutro no embate entre um projeto de governo e uma direção tecnocrática que se recusa a dialogar com a política. Essa tensão não é sinal de falha. É sinal de que existe disputa, e disputa sempre revela prioridades.

BTG e Itaú são bancos que não toleram concorrência. Isso não é segredo. Quando alguém aparece para disputar espaço, a reação vem. E não costuma demorar. O BC opera nesse ambiente. E a tal independência, quando defendida sem filtro, pode acabar servindo justamente para blindar quem já manda. As barreiras não são apenas técnicas – são narrativas, editoriais, relatórios e silêncios. Cada um protege à sua maneira. E nem sempre quem protege aparece como parte do jogo.

A imprensa tem todo o direito de defender o Banco Central. O problema é quando finge que não escolhe a quem dar voz. Autonomia institucional não deveria ser um escudo para proteger alianças de bastidor. E muito menos um pretexto para manter certas decisões fora de alcance. A defesa das instituições exige mais do que palavras fortes. Exige coerência. Principalmente quando os poderosos estão do lado certo do balcão.

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