O ciclo vicioso do jogo de ilusões

Chegou a “grande” notícia: o governo federal, atendendo a uma ordem do Supremo Tribunal Federal, prometeu tomar uma providência para impedir que beneficiários do Bolsa Família e do Benefício de Prestação Continuada (BPC) percam o pouco que têm nas casas de apostas online. A solução? Uma medida tão óbvia e simples que a gente se pergunta por que demorou tanto para ser anunciada: uma lista de CPFs que será enviada para as casas de apostas para identificar beneficiários que apostam os recursos dos benefícios. Parece um plano genial, não? O único detalhe é que, como de praxe, a medida vem com um prazo generoso para ser implantada : “até o fim do ano”.

Em pleno século XXI, com toda a tecnologia disponível, a solução para um problema que aflige dezenas de milhões de pessoas é tratada com a mesma pressa de quem não tem pressa nenhuma. Quantas vezes já ouvimos promessas como essa? Quantas vezes a gente viu o governo anunciar que “vai fazer”, mas a ação concreta, que poderia ser implementada em poucos dias, é empurrada para o calendário como se fosse um evento opcional? A resposta para essa pergunta está na vida real de 50 milhões de brasileiros, que continuam expostos, dia após dia, à ilusão de ganhar dinheiro fácil.

A verdade é que essa lentidão não é por acaso, faz parte da engrenagem de um sistema que, na prática, beneficia a todos, menos os mais vulneráveis. O ciclo é perverso: governo paga o benefício, o dinheiro chega na conta do cidadão que, iludido pela falsa promessa de uma vida melhor, aposta. Ele invariavelmente perde, claro. O dinheiro escoa para as casas de apostas, que, com seus lucros bilionários, enriquecem cada vez mais. E o que o governo ganha com isso? Uma parte do bolo, na forma de impostos sobre as transações. Assim, o dinheiro público, que deveria servir para garantir dignidade e segurança, acaba retornando, de forma indireta, para o mesmo lugar de onde saiu.

Achar que o governo está genuinamente preocupado com o dinheiro perdido pelos mais pobres é uma ingenuidade que só encontra paralelo na crença do apostador de que vai ficar rico jogando em “bets”. Se houvesse uma preocupação real, a ação do envio de CPFs para as casas de apostas teria sido imediata, enérgica, e não uma promessa vaga com prazo estendido, poderia ter sido o primeiro passo de uma força-tarefa de proteção social. A medida, de tão atrasada, já perdeu sua eficácia original.

Essa promessa é sobre a manutenção de um sistema onde a vulnerabilidade dos mais pobres se torna uma fonte de lucro para poucos. É a face mais cínica de uma política que, enquanto diz ajudar, na prática, permite que o dinheiro do povo seja canalizado para o caixa das “bets” e, por tabela, volte aos cofres do Estado. O ciclo vicioso, onde os mesmos que precisam de ajuda são os que financiam o próprio empobrecimento, é a prova de que a preocupação é pura fachada. A ilusão de um governo protetor é tão grande quanto a ilusão do apostador que perdeu tudo. E as duas, lamentavelmente, custam muito caro. O STF agora poderia usar a famosa ordem das “48 horas” – aquelas que já são de praxe contra quem não faz parte do mecanismo – para exigir que o governo Lula faça o que deveria ter feito há muito tempo.

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