O Brasil não tem mercado de capitais. Tem um cartório regulatório a serviço de Davos, onde a entrada é restrita, os custos são proibitivos e a função original — financiar o setor produtivo — foi soterrada sob toneladas de burocracia e dogmas ideológicos. A bolsa brasileira deixou de ser uma ponte entre poupança e investimento. Virou uma vitrine de obediência regulatória.
A função de uma bolsa de valores é simples: permitir que empresas levantem capital para crescer, inovar e gerar empregos, enquanto investidores participam dos lucros e riscos da economia real. Foi assim que economias asiáticas, como a da Índia, expandiram sua base produtiva nos últimos anos. A Índia, aliás, ultrapassou o Brasil em volume de capitalização e número de IPOs. A Indonésia, com um mercado historicamente menor, já projeta superar a B3 em valor relativo ao PIB. Enquanto isso, no Brasil, a bolsa encolhe — e o número de empresas listadas cai.
A culpa não é do empreendedor brasileiro. É do ambiente hostil criado por um modelo de regulação que não entende o país, não escuta quem produz e age como procuradoria internacional de uma agenda que não é nossa. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) transformou-se em um tribunal ideológico: emite normas em linha com as diretrizes da OCDE, da ONU, do Fórum Econômico Mundial — mas ignora as dificuldades reais de uma empresa brasileira para abrir capital num país com juros altos, insegurança jurídica e baixa previsibilidade tributária.
Abrir capital no Brasil hoje é um ato de autoflagelação. Além dos custos operacionais, o empresário é obrigado a seguir rituais de governança formalista, relatórios ESG com critérios inalcançáveis, obrigações de “diversidade” impostas por pressão reputacional e um cerco constante à comunicação empresarial, como se toda companhia fosse uma concessão pública. A entrada na bolsa depende menos de viabilidade econômica e mais de chancela política e alinhamento comportamental.
O resultado é um mercado concentrado, capturado por poucos grupos, em que a meritocracia foi substituída por uma hierarquia moral regulada. O pequeno não entra. O médio desiste. O grande, se não for rentista, começa a cogitar sair. E enquanto isso, a CVM multiplica regras. Os fundos exigem certificados de engajamento climático. A bolsa bate palma para o “capitalismo consciente”. E o país real, que precisa de crédito, investimento e escala, continua de fora.
O Brasil nunca teve um mercado de capitais verdadeiramente nacional. O que temos é um dispositivo de extração — um filtro que seleciona quem pode participar com base em critérios cada vez mais ideológicos. E quando um instrumento essencial ao desenvolvimento se transforma em clube fechado, a consequência é clara: menos investimento, menos crescimento e mais dependência de capital estrangeiro.
Se o Brasil quiser se desenvolver de fato, precisa abrir mão da fantasia de que é possível construir um mercado forte sob tutela externa. Nenhuma nação soberana terceiriza sua política de financiamento. Muito menos para Davos.