Desde o golpe da primeira república o Brasil tem dificuldades de estruturar em seu arranjo institucional a participação popular no exercício do poder e a cidadania.
No Brasil a cidadania não se desenvolveu como compromisso com um projeto nacional e espaço na arena política, mas como status jurídico diante de instituições burocráticas, instituições essas que são administradas de forma patrimonialista pelos donos do poder.
Tal cenário criou um capitalismo de Estado incipiente, onde o empresariado quando não tinha o Estado como cliente e sócio, tinha-o por algoz e perseguidor. Nessa dinâmica o ambiente de negócios e produção tornou-se inóspito, a ascensão social penosa e demorada, com taxas de renda per capita em franco declínio.
Mas o que o Brasil precisa não é a tomada dos meios de produção por parte da classe operária em um processo revolucionário. Muito menos o fomento de qualquer tipo de rivalidade entre classes, mas uma harmonia de interesses, um pacto nacional pelo desenvolvimento econômico e progresso político.
Harmonia de interesses não é concordismo moral, mas efeito institucional de uma economia que internaliza complementaridades. Quando conhecimento, infraestrutura e crédito estabilizam expectativas, decisões descentralizadas começam a gerar resultados mutuamente vantajosos: salários sobem porque a produtividade sobe; a produtividade cresce porque escala e difusão técnica reduzem custos; os custos caem porque o mercado interno se expande. A competição deixa de ser soma zero e vira emulação regrada, em que ganhos particulares ampliam a base coletiva. Salvaguardas temporárias neutralizam assimetrias externas enquanto a capacidade produtiva amadurece e, com esta maturidade, a abertura ao exterior deixa de ser armadilha ou prisão e torna-se reciprocidade. A harmonia, assim, é dinâmica e cumulativa: surge da estabilidade institucional, boa regulamentação e proteção dos poderes produtivos nacionais. E, consequentemente, cria um ambiente de negócios propício ao crescimento, produção e confiança dos investidores nacionais e internacionais.
E o mais importante: devolve a economia o seu papel civilizacional de fornecer bens de consumo para o sustento da polis. Pensar na harmonia de interesses em um sistema nacional de economia política, é pensar nos efeitos políticos do desenvolvimento econômico. É dar liberdade para que uma nova classe média possa ser credora e garantir grandeza política na correlação de forças nacionais. É pensar sobre como nossa classe pobre precisa de oportunidades de ascensão social e produção de riqueza.
O Brasil precisa pensar sobre como harmonizar os interesses do setor produtivo com fornecedores de crédito, diplomatas, políticos e trabalhadores. Sem usar do aparato estatal para coagir e pressionar o empresariado, mas regulando um ambiente harmônico de produção. Sem tratar o trabalhador como ativo eleitoral e militante político, o Brasil pode desenvolver um projeto nacional onde a dignidade e a liberdade viriam do trabalho e da produção, e não da esmola assistencialista dos programas sociais que asseguram a manutenção da pobreza de seus assistidos.
Essa visão de projeto nacional, sem vencedores e vencidos, pode fomentar a cidadania e a participação política do povo brasileiro.
Livres da assistência do Estado e em um ambiente onde seu poder coercitivo não é sufocante, o Brasil pode florescer como um lar para os brasileiros.