
Por: Lorenzo Carrasco e Geraldo Luís Lino
A outra iniciativa de “finanças verdes amazônicas”, a qual nos referimos no último texto, foi anunciada em um artigo do ex-embaixador Rubens Barbosa no “Estadão” de 22 de abril (“Projeto florestal na Amazônia vira modelo global”). Trata-se da I AMazonia (sic):
“(…) Um modelo inovador de ação para a conservação de floresta e, em geral, para evitar o impacto da mudança de clima, baseado na experiência no tocante à energia renovável e à agricultura orgânica, no monitoramento constante e no estudo do mercado de créditos voluntários de carbono. E ainda levando em conta a comparação com os melhores operadores internacionais de mercado.” Entre os parceiros na empreitada, são citados a Fundação Getulio Vargas (FGV), a Universidade de Harvard, a consultora internacional PriceWaterHouseCoopers e a ONG católica Caritas.
Barbosa informa que o modelo se baseia no projeto Mejuruá, uma área privada com 903 mil hectares, situada nos municípios de Carauari, Juruá e Jutaí, no Amazonas. Ele informa: “O manejo sustentável da floresta será efetivado em perto de 160.000 hectares, cerca de 18% da propriedade, a ser operado de forma permanente em sucessivos ciclos de 30 anos cada, conforme certificação internacional do FSC [Forest Stewardship Council, ONG que credencia certificadoras de gestão florestal – n.a.]. Concebido no contexto da iniciativa REDD+ [Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal – n.a.], o projeto, nos primeiros 30 anos, deverá evitar a emissão de perto de 82 milhões de toneladas de CO2 equivalente.”
Aí a coisa fica intrigante. O projeto Mejuruá, em uma propriedade equivalente a um terço do território de Alagoas, está a cargo da empresa BR Arbo Gestão Florestal, de Porto Alegre (RS), que tem como sócio no projeto o italiano Gaetano Buglisi, fundador e CEO da I AMazonia. Empresário do setor de energias verdes, em 2015, Buglisi foi sentenciado a três anos de prisão por um tribunal italiano, por evasão fiscal e participação em um esquema de lavagem de dinheiro em parques eólicos.
Outra participante no projeto é a Verra, uma certificadora internacional de créditos de carbono. Em 2023, uma investigação de três jornais europeus mostrou que mais de 90% dos projetos certificados pela Verra não tinham qualquer valor real para a alegada mitigação climática, como mostrou uma reportagem do jornal The Guardian, por sinal, o mais ruidoso trombeteiro midiático do catastrofismo climático.
E a BR Arbo está perfeitamente inserida no contexto ideológico-financeiro da agenda “verde”, como sugere o seu posicionamento sobre o asfaltamento rodovia BR-319 (Manaus-Porto Velho): “A expansão (sic) da rodovia, que deveria promover o desenvolvimento regional, pode, na verdade, destruir parte significativa da biodiversidade local e ampliar a grilagem em terras públicas. Diante desses impactos, projetos como o Mejuruá, da BR Arbo, são fundamentais para mitigar os danos ambientais. Focado no reflorestamento e na captura de carbono, o projeto do empresário Gaetano Buglisi contribui diretamente para a restauração de áreas degradadas da Amazônia. Essas iniciativas são essenciais para combater os efeitos nocivos de empreendimentos como a BR-319 e preservar a biodiversidade da região, além de promover a sustentabilidade e a proteção climática.”
Curiosamente, em março deste ano, o Ministério Público Federal do Amazonas (MPF-AM) expediu uma recomendação solicitando a suspensão imediata das atividades do projeto Mejuruá devido a denúncias das comunidades tradicionais da região. Uma solicitação explícita era a de que os funcionários da BR Arbo e da Verra não efetuassem quaisquer contatos com membros das comunidades e suas lideranças. Porém, a recomendação foi suspensa por liminar do Conselho Nacional do Ministério Público em 3 de abril.
O artigo de Barbosa, publicado no Dia da Terra, coincidiu com uma conferência internacional de alto nível realizada em Roma, para o lançamento da I AMazonia, sendo realizada, segundo os organizadores, em um clima de pesar pelo falecimento do Papa Francisco, autor da polêmica encíclica Laudato Si’, cujos 10 anos estavam também sendo celebrados.
A lista de conferencistas proporciona uma ideia do alcance do projeto (alguns participaram por videochamada):
- Gaetano Buglisi – CEO da I AMazonia;
- Kathleen Rogers – presidente do Dia da Terra;
- André Corrêa do Lago – presidente da COP30;
- Wilson Lima – governador do Amazonas;
- Rubens Barbosa – presidente emérito do CEBEU-Brazil-US Business Council;
- Ève Bazaiba Masudi – ministra do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da República Democrática do Congo;
- Richard Muyungi – assessor para Meio Ambiente e Preservação Florestal da Presidência da Tanzânia;
- Min Ramadi Masauni – vice-presidente para Meio Ambiente e União da Tanzânia;
- Virgílio Viana – presidente da Fundação Amazônia Sustentável (FAS);
- Giovanni Tria – professor honorário da Universidade Roma 3, ex-ministro de Economia e Finanças da Itália;
- Marco Contardi – gerente de desenvolvimento de projetos da FGV Europe;
- Donatella Parisi – coordenadora de comunicações do Centro di Alta Formazione Laudato Si’;
- Victor Genina Cervantes – diretor de Desenvolvimento Humano Integral da Caritas Internationalis;
- Ricardo Gustav Neuding – BR Arbo / Mejuruá;
- Guido Lombardo – membro do conselho administrativo da I AMazonia;
- Alexander More – professor de Saúde Ambiental da Universidade de Harvard;
- Joseph Mongunza Malassi – assessor do Ministério do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da República Democrática do Congo;
- Javier Fiz Pérez – professor da Universidade Europeia de Roma;
- Pier Paolo Masenza – partner da PricewaterhouseCoopers;
- Flávio Cordeiro Antony Filho – secretário-chefe da Casa Civil do Governo do Amazonas.
O boletim de imprensa emitido na ocasião sintetiza os objetivos da empreitada:
“O modelo do I AMazonia redefine o desenvolvimento sustentável por meio de uma economia regenerativa centrada no desenvolvimento humano. O Projeto Mejuruá gera receita por meio da produção sustentável de madeira, borracha e açaí, juntamente com a emissão de créditos de carbono pela renúncia voluntária ao desmatamento. Essa abordagem garante viabilidade financeira e uma repartição justa de benefícios, com os lucros do projeto alocados equitativamente entre os investidores, reinvestimento em iniciativas futuras e programas de apoio às comunidades locais.
“A Fundação Getúlio Vargas produzirá um position paper em colaboração com o professor Alexander More, da Universidade de Harvard, com o objetivo de definir, desenvolver e avaliar o modelo concebido pela I AMazonia, visando à sua replicabilidade em outros projetos de soluções baseadas na natureza. Visando ao futuro, a I AMazonia planeja expandir o seu modelo para outras regiões de florestas tropicais – incluindo a República Democrática do Congo, Venezuela, Tanzânia e Sudeste Asiático –, onde discussões e processos de aprovação regulatória já estão em andamento com autoridades nacionais e partes interessadas locais.”
Com o perdão do trocadilho, ambição aqui é mato – ou flore$ta.