“De Trump eu entendo. Sou um doido vindo da Bahia e lutando pela paz mundial”. Este foi um trecho da fala do deputado Pastor Sargento Isidório (Avante-BA) no plenário da Câmara ao cobrar equilíbrio nas relações internacionais. “O mundo inteiro está sobressaltado com o comportamento tirano e semelhante a um líder de facções do senhor Donald Trump”, disse Isidoro. E terminou com uma frase em inglês: “I am crazy made in Bahia – Eu sou um louco vindo da Bahia”. 

O parlatório abilolado do deputado baiano encontra eco na visão distorcida de grande parte mídia nacional, que aponta a política de Trump como loucura anti-liberal pura e simples. Longe de perceber os efeitos reais das medidas do presidente americano, nossos comentaristas e especialistas reagiram como a criança que teve seu brinquedo tomado.

As “tarifas recíprocas” anunciadas por Donald Trump estão sendo interpretadas como uma tentativa de equilibrar a balança comercial com outros países, e taxadas de “mercantilismo” ou “retrocesso”, quando, na verdade, são uma tentativa de reorganizar a arquitetura econômica mundial. Talvez o objetivo de Trump não seja ajustar o comércio bilateral de forma equitativa, mas sim forçar aliados a interromperem suas compras da China, freando a escalada industrial chinesa. É muito provável que o foco real das medidas seja reorientar cadeias de suprimentos críticas, especialmente em um futuro onde as fábricas serão majoritariamente operadas por robôs.

Para que os Estados Unidos cheguem a esse futuro em posição de liderança, Trump precisa garantir que o país mantenha sua vantagem tecnológica e industrial. Isso nos leva a Taiwan, um ponto central nessa estratégia. Taiwan é responsável por produzir metade dos chips do mundo e mais de 90% dos chips de ponta, essenciais tanto para dispositivos eletrônicos do dia a dia quanto para os mísseis do exército americano. A comunidade de inteligência americana acredita que a China planeja invadir Taiwan até 2027, utilizando forças anfíbias e aéreas com alvos específicos nas praias de Hsinchu e Taichung, coração do parque industrial taiwanês, e que essa invasão tem grandes chances de ser bem-sucedida. Apesar de os taiwaneses não serem comunistas, muitos são etnicamente chineses e, caso a invasão ocorra, os Estados Unidos provavelmente não retaliariam com uma guerra direta, mas com medidas econômicas. Diante desse quadro, devemos nos perguntar: seria melhor esperar a invasão acontecer no meio do mandato para reagir, ou tentar se antecipar? Trump impôs uma tarifa de 34% sobre a China, que retaliou imediatamente. Em resposta, os EUA dobraram a tarifa. A China fez o mesmo, escalando assim a tensão comercial. Esta semana o país asiático restringiu as exportações de sete minerais estratégicos essenciais para a indústria de defesa americana, como tungstênio e bismuto, dos quais ela controla 80% da produção global. Esses minerais, no entanto, também podem ser encontrados em outros lugares, como na Groelândia, no Canadá e na Ucrânia. Israel já negocia tarifas bilaterais zeradas, a Europa propôs o mesmo (embora Trump exija que comprem energia americana), e Japão e Arábia Saudita seguem na mesma direção. Por trás da suposta loucura da Casa Branca, há uma visão de médio prazo assustadoramente simples: ganhar tempo para impedir que a China questione o status de superpotência dos Estados Unidos.

Há também um efeito despercebido na guerra tarifária de Trump: países de todos os continentes do mundo precisaram se posicionar diante da política dos EUA, ou pedindo uma negociação ou retaliando com tarifas. O mundo estava se organizando através do multilateralismo e do domínio corporativo da diplomacia, política que não permitia alianças políticas claras e protagonismo para Estados nacionais.

Trump forçou dezenas de países a definirem o status de sua relação diplomática com os EUA, rompeu com tratados multilaterais e está rompendo com a ordem internacional baseada em regras.

Nada disso é sobre loucura, é sobre diplomacia, transferência de base industrial e ruptura com a arquitetura econômica baseada em endividamento.

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