Publicado em 20 de Agosto de 2025
Um banco fecha a conta de um ministro por causa da Lei Magnitsky. O ministro recorre ao STF, consegue uma liminar e obriga o banco a reabrir. O caso, que em outros tempos ficaria restrito às colunas políticas, hoje escancara um problema de ordem maior: o Brasil tenta aplicar sua lógica institucional sobre um sistema do qual não tem controle — e que não aceita explicações locais como escudo contra violação internacional.
A solução sugerida pelos bastidores é quase uma ginástica: reabrir a conta no Brasil e, ao mesmo tempo, contratar uma banca americana para convencer o governo dos EUA de que o banco não teve escolha. Tudo isso na esperança de que a OFAC compreenda o “drama institucional brasileiro” e aceite a tese do constrangimento legal.
O problema é que a OFAC não funciona como o Judiciário brasileiro. Não há espaço para liminar, despacho ou telefonema de bastidor. A sanção americana é um instrumento de segurança nacional, não um processo judicial com duplo grau de jurisdição. Ela é, por definição, unilateral, discricionária e, na prática, quase irreversível. Basta um deslize — uma violação, um gesto em falso — e o banco pode ser cortado do sistema financeiro global. Não há apelação. Não há efeito suspensivo. Não há jeitinho.
Mas o caso vai além do banco ou da conta. Expõe uma ilusão recorrente da política brasileira: a de que os mecanismos institucionais internos ainda operam como eixo exclusivo da realidade. Como se uma liminar, por si só, fosse suficiente para frear os impactos de uma decisão tomada fora do país — por um governo que não reconhece a jurisdição do STF, nem tem interesse em compreender suas motivações políticas.
A soberania, aqui, vira argumento de ocasião. Invocada quando convém, ignorada quando atrapalha. O mesmo sistema que aceita de bom grado os fluxos de capital externo e os bônus de reputação internacional, agora se diz ofendido quando regras globais começam a interferir no jogo interno. A reação não é estratégica. É defensiva — e quase sempre tardia.
Do lado dos bancos, o dilema é inédito: cumprir uma ordem judicial local e arriscar sanção internacional, ou se proteger junto à OFAC e enfrentar o desgaste político e jurídico no Brasil. Não se trata mais de escolher entre dois caminhos legais, mas de mensurar qual risco é mais controlável: a exposição interna ou a exclusão de um sistema financeiro do qual o país inteiro depende para operar.
A verdade é que os bancos já tomaram sua decisão. O resto do sistema é que ainda finge que há saída fácil. Mas a conciliação entre dois mundos com lógicas tão distintas nunca esteve à mesa. O Brasil pode até tentar dobrar sua própria institucionalidade — mas não dobra a de fora.
E enquanto Brasília debate a constitucionalidade da sanção, a Faria Lima olha para o risco real: perder o acesso ao dólar. A instabilidade jurídica já não assusta pelo que representa. Assusta pelo que pode custar. O que antes era visto como ruído agora virou obstáculo concreto — um ruído que fecha portas, encarece crédito, suspende repasses e atrai alertas de compliance em escala internacional.
A crise institucional brasileira não está mais isolada. Ela entrou no radar global. E quando o risco jurídico vira risco reputacional, nenhuma liminar resolve.