José Dirceu voltou ao centro do debate com um discurso que, à primeira vista, parece romper com o establishment: atacou o capital financeiro, criticou a autonomia do Banco Central e falou em “revolução social”. Mas, por trás da retórica inflamada, o que se vê é uma encenação estratégica — onde a esquerda tenta simular conflito com estruturas que, na prática, continua operando sem contestação real.
A crítica à Faria Lima serve, nesse contexto, como ferramenta retórica. Enquanto o discurso denuncia privilégios do sistema financeiro, o governo mantém intactos os pilares que sustentam esses privilégios: política de juros elevados, metas fiscais ancoradas na austeridade e uma estrutura institucional que garante estabilidade aos rentistas, mesmo em cenários de turbulência social ou política. Nenhuma ruptura concreta foi sequer cogitada.
O Banco Central, que se tornou o símbolo da “independência” tecnocrática, é retratado por Dirceu como um obstáculo à vontade popular. No entanto, sua atual diretoria foi indicada e reconduzida com aval político. A autonomia do BC, longe de ser um erro de percurso, é parte integrante do pacto de governabilidade — que exige previsibilidade para o mercado e obediência às regras de Brasília. Fingir oposição a esse arranjo, estando dentro dele, é um exercício de prestidigitação.
A encenação tem função política clara: mobilizar a militância sem alterar a estrutura. Ao manter o discurso da luta contra os poderosos, o PT protege sua identidade histórica. Mas ao preservar os mecanismos que concentram renda e travam o investimento produtivo, assegura apoio de setores financeiros e evita atritos que desestabilizariam sua posição no Executivo. Trata-se de uma simbiose funcional: o mercado precisa de um operador confiável no poder; o PT precisa de um inimigo simbólico para manter sua base em alerta.
O resultado é um pacto silencioso, no qual ambos fingem se enfrentar enquanto cooperam na manutenção do status quo. O mercado continua lucrando com taxas reais de juros entre as mais altas do mundo. E o governo, mesmo com retórica “social”, continua sem romper com a engrenagem que favorece os rentistas em detrimento da indústria, do consumo popular e da soberania produtiva.
A fala de Dirceu, nesse sentido, não inaugura uma nova agenda — apenas antecipa o teatro de 2026: um novo ciclo de polarização retórica sem qualquer garantia de que o modelo de fundo será alterado. O conflito é encenado, mas a engrenagem permanece intacta. E no Brasil, como sempre, é o sistema que sobrevive — não importa o enredo da vez.