A disputa central do nosso tempo não ocorre em campos de batalha, mas nas entranhas das cadeias produtivas. É ali que se decide quem comanda, quem depende e quem fica à margem. A China entendeu isto cedo. Ao longo das últimas duas décadas, estruturou silenciosamente um sistema regulatório que transforma fluxos comerciais em instrumentos de poder. Não se trata apenas de explorar recursos — trata-se de decidir quando, como e para quem esses recursos circulam.
Enquanto o Ocidente ainda reage com sanções declaradas e embates midiáticos, Pequim opera com sutileza estratégica. O licenciamento de exportações não é mera formalidade: é ferramenta calibrada. As autorizações são lentas, os critérios são opacos, os prazos variam conforme o cenário externo. A burocracia trandorma-se em dissuasão. E o que parece um atraso administrativo é, na prática, um recado geopolítico.
As chamadas terras-raras — essenciais para a indústria de defesa, semicondutores, carros elétricos e tecnologias emergentes — tornaram-se o epicentro desse modelo. A China já domina mais de 70% da produção mundial, mas seu verdadeiro trunfo está no que vem depois: refino, processamento e logística. Ou seja, ela controla o gargalo. E quem controla o gargalo, dita o ritmo.
O Brasil, por sua vez, segue orbitando em outra lógica. Exporta matéria-prima a céu aberto, sem exigência de processamento local, sem cláusulas de transferência tecnológica, sem proteção estratégica. A política mineral do país continua pautada pela crença de que basta extrair para gerar riqueza. Ignora que, no mundo contemporâneo, a extração sem controle equivale à perda acelerada de soberania. Cada tonelada exportada sem contrapartida é uma tonelada de comando cedido a terceiros.
O mais grave é que essa entrega não ocorre por imposição externa — mas por adesão voluntária a uma cartilha liberal ultrapassada. A crença na neutralidade dos fluxos, na suposta eficiência do “livre mercado” e na necessidade de agradar investidores estrangeiros desmobilizou qualquer projeto nacional de industrialização. Para completar, as agendas ambientais importadas impõem filtros, metas e exigências que dificultam ainda mais o fortalecimento da cadeia interna. Em nome da sustentabilidade, o país se engessa.
Enquanto a China transforma regulação em soberania, o Brasil segue travado, sem doutrina de segurança econômica, sem coordenação entre suas agências e sem visão estratégica sobre seus próprios ativos. Não basta ter o recurso. É preciso decidir o que fazer com ele, como condicionar sua saída, como converter sua escassez em capacidade de negociação. O gargalo não é um problema — é uma alavanca, desde que esteja nas mãos certas.
A diferença entre os dois modelos é brutal: um país impõe critérios; o outro os cumpre. Um opera o fluxo; o outro abastece. E é exatamente nessa assimetria silenciosa que se desenha o mapa do poder global.