Dois caminhos de energia, dois sistemas de moeda

A disputa em torno da energia é muitas vezes apresentada como tema ambiental. Mas o que está em movimento vai além: a energia passou a sustentar não só a indústria, mas também a arquitetura monetária internacional. Dois modelos emergem. De um lado, a abordagem americana de ampliar a oferta, explorar recursos fósseis com novas tecnologias e usar a inteligência artificial para aumentar a eficiência. De outro, a visão sino-europeia, que aposta em limitar consumo, planejar produção e atrelar a moeda à capacidade energética controlada por organismos multilaterais. 

Essa diferença afeta diretamente o poder econômico. Quando Donald Trump suspende subsídios para renováveis e corta linhas de crédito para projetos dependentes de importações chinesas, não está apenas revendo incentivos. Está tentando romper uma engrenagem que transferia recursos americanos para cadeias dominadas por Pequim. Para defensores da transição verde, parece retrocesso. Para Washington, é uma forma de recuperar a soberania industrial e fiscal.

A China seguiu outro caminho. Cresceu apoiada em carvão barato e abundante. E agora que alcançou escala, veste o discurso da “civilização ecológica”. 

A realidade é que a China continua usando carvão em mais da metade da sua geração elétrica, enquanto investe em painéis solares, turbinas e baterias. O objetivo é evidente: tornar as próximas ondas tecnológicas dependentes de equipamentos e minerais controlados por empresas chinesas. O marketing ambiental legitima um projeto de poder.

Nesse contexto, energia e moeda caminham juntas. O modelo americano busca criar um sistema paralelo ao dólar com stablecoins ancoradas em ativos digitais. Já a proposta sino-europeia pretende atrelar emissão monetária à capacidade energética, com metas de carbono e limites de consumo definidos por cima. Um privilegia flexibilidade, o outro aposta em planificação. Ambos reorganizam cadeias produtivas e definem quem terá acesso preferencial a crédito, investimento e tecnologia.

A América Latina surge nesse mapa como fornecedora de matérias-primas críticas: lítio, níquel, cobre, grafite e terras raras. O Brasil é alvo de interesse não por ter estratégia nacional clara, mas por dispor de reservas capazes de sustentar qualquer um dos dois caminhos. Para os Estados Unidos, é essencial evitar que esses recursos fiquem sob domínio chinês. Para a China, interessa ampliar presença, comprando ativos, firmando memorandos e investindo em logística. Cada ferrovia ou contrato assinado desloca a balança.

O Brasil precisa decidir se será apenas fornecedor barato ou se usará o interesse externo para financiar polos industriais internos. Isso exigiria que órgãos de regulação analisassem concentração de mercado com atenção, que bancos públicos condicionassem crédito à agregação de valor e que projetos de infraestrutura servissem também ao desenvolvimento nacional, não só ao escoamento de commodities.

Nos próximos anos ficará mais claro qual lógica terá mais força. Se prevalecer a rota americana, moedas digitais lastreadas em ativos podem ganhar espaço, apoiadas pela eficiência tecnológica. Se avançar a visão sino-europeia, caberá a tratados e comitês fixar limites de consumo e padrões de vida. 

Para o Brasil, o ponto essencial é compreender que energia e moeda não são debates separados. Juntas, definem as condições do próximo ciclo econômico.  

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