O Brasil já foi sinônimo de encantamento. O futebol brasileiro já fez chefes de Estado interromperem guerras; a bossa nova influenciou a música do planeta tocava em cafés de Nova York a Tóquio; Carmen Miranda foi o artista mais bem pago de Hollywood. O passaporte verde-amarelo abria portas com simpatia e admiração. Era um tempo em que o Brasil exportava cultura, estilo, leveza e síncope. Hoje, porém, a única coisa que parece globalizada é a vergonha de ser brasileiro. Sobretudo entre os que mais deveriam ter orgulho: os formadores de opinião.
A crise do soft power brasileiro é visível. Começa quando a própria elite cultural trata a cultura nacional como algo exótico, atrasado ou vergonhoso. O futebol passou de espetáculo espontâneo a laboratório de tecnocracia e repressão criativa. O samba virou música de “gosto duvidoso”. A bossa foi reduzida a fetiche de gringo. E até o jiu-jítsu — consagrado como “Brazilian Jiu-Jitsu” — já enfrenta uma tentativa revisionista: mudar o nome para “American Jitsu” em certas academias dos EUA. Nem a vitória simbólica nos tatames escapa da lógica de rendição alegórica.
O que se tenta empurrar como “expressão cultural brasileira” é um catálogo de estereótipos descolados da realidade: letras de funk embrulhadas em discurso acadêmico, narrativas de miséria como estética cool, slogans identitários com sotaque californiano. Trata-se de um soft power invertido, em que se importa tudo — até o ressentimento — e se exporta apenas a imagem de um país submisso, exótico e disponível. A destruição é sutil, mas constante.
Esse esvaziamento cultural não é espontâneo. É consequência direta de uma elite que odeia o país, mas adora usá-lo como vitrine quando convém. No aeroporto, finge-se estrangeira. No exterior, diz que “o problema é o povo”. Mas quando um gringo elogia o samba, São Paulo ou o calor humano, ela reaparece: “Brasil é maravilhoso, né?”. É o orgulho performativo, que só emerge sob aplauso externo — e se esconde diante de qualquer desconforto local.
Há também um elemento geopolítico em tudo isso. O soft power americano, por exemplo, molda desejos e percepções de valor. O brasileiro que idolatra o cinema dos EUA e despreza a própria música está apenas reproduzindo essa lógica: já foi colonizado emocionalmente. O país, nesse sentido, não é apenas importador de bens culturais — é consumidor de identidade, comprador de modelos prontos, replicador de símbolos alheios. E o mais trágico: perdeu a capacidade de gerar os próprios.
A geração que gritava “o melhor do Brasil é o brasileiro” agora se cala quando vê a própria bandeira. Não há mais nomes de jogadores na boca do povo, mas nomes de ministros da suprema corte. O país que emocionou o mundo com arte, gingado e humor, hoje exporta bunda e importa cartilha alienígena.
O soft power brasileiro não desapareceu, foi desviado. Ainda existe admiração internacional por traços autênticos da nossa cultura, mas eles vêm sendo deliberadamente abafados por uma elite cultural que prefere imitar do que criar. O problema não está na ausência de capital simbólico, mas na recusa em reivindicá-lo. Em vez de projetar um país com personalidade própria, exportamos estereótipos rasteiros enquanto importamos códigos morais, causas identitárias e modelos culturais alheios. O resultado é visível: o Brasil deixou de ser referência para virar réplica — ruidosa, confusa e descartável.
Esse tema foi discutido em profundidade no episódio mais recente do programa 5º Elemento. Para assistir na íntegra, acesse: