Por muito tempo, parte relevante do sistema econômico-financeiro brasileiro tratou a crise institucional como uma variável secundária. O ambiente de instabilidade crescente era interpretado como “ruído político”, algo administrável diante da preservação das âncoras fiscais e da continuidade de interlocução com Brasília. A aposta era clara: manter a neutralidade formal e garantir previsibilidade técnica, mesmo diante do acúmulo de sinais de desgaste institucional. A prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro rompeu esse equilíbrio artificial e forçou uma reavaliação.
A reação dos mercados ao episódio, somada à sinalização internacional de que a prisão pode afetar negociações comerciais em curso, alterou o padrão de leitura predominante. Pela primeira vez, um ato de natureza jurídica passou a ser interpretado também como vetor de risco econômico — não apenas por seu conteúdo específico, mas pelo que representa em termos de sinalização institucional e impacto reputacional. O caso deixou de ser uma questão doméstica para se tornar elemento de avaliação externa. E, diante disso, a blindagem que sustentava o silêncio calculado do setor privado perdeu eficácia.
A tentativa recente de isolar o Judiciário como fonte exclusiva de instabilidade, dissociando-o do Executivo, revela um movimento de contenção. O governo é apresentado como interlocutor confiável, enquanto o Supremo Tribunal Federal assume sozinho o papel de fator imprevisível. Mas essa separação, embora funcional do ponto de vista narrativo, não se sustenta na prática. Para investidores, governos estrangeiros e operadores do comércio internacional, a leitura é feita com base no conjunto. E o conjunto, hoje, projeta incerteza.
A menção, por parte de autoridades econômicas e representantes do setor privado, de que o momento exige “cautela” ou mesmo “silêncio”, é reveladora. Quando agentes acostumados a opinar abertamente sobre política institucional adotam um discurso de retração, não se trata apenas de prudência — é um reconhecimento tácito de que o ambiente se tornou mais exposto. O silêncio, que antes funcionava como estratégia de blindagem reputacional, passa a ser interpretado como sintoma de desconforto diante de uma conjuntura que escapou ao controle narrativo. A exposição se torna inevitável quando a previsibilidade cede lugar à contingência.
A questão central ultrapassa o mérito jurídico da prisão, concentrando-se no impacto do episódio sobre as condições de previsibilidade do país. Quando sanções comerciais passam a ser cogitadas em função de decisões judiciais, e quando bancos começam a calcular o impacto reputacional de vínculos institucionais, o sinal é claro: a crise institucional brasileira saiu do plano interno e passou a gerar contingências transnacionais, com efeitos tangíveis sobre comércio, crédito e acesso a mercados estratégicos.
A prisão de Bolsonaro marcou um ponto de inflexão na postura do mercado, mais do que um simples reposicionamento. A neutralidade, antes tida como irrelevante, passou a ter custo mensurável. E, neste novo estágio, o risco já não está apenas no conteúdo das decisões, mas na percepção de que o sistema perdeu a capacidade de autocontenção — e, por isso, pode passar a ser regulado de fora.