De que soberania estamos falando?

Por: Lorenzo Carrasco e Geraldo Luís Lino

Publicado em 10 de Agosto de 2025

Nestes momentos agitados em que a defesa da soberania nacional está na ordem do dia, são assaz oportunas algumas considerações sobre o significado e as implicações mais profundas da expressão para o País.

Reduzida ao mais essencial, a soberania nacional pode ser definida como a capacidade de uma Nação para definir e conduzir o seu próprio destino e defender-se contra interferências externas de qualquer natureza, inclusive militares. A rigor, colocando-se à parte as idiossincrasias institucionais brasileiras, o presente imbróglio com os EUA de Donald Trump pode enquadrar-se numa categoria de interferência política em ações internas que, em tese, não representam ameaças concretas aos interesses norte-americano, como alegado na ordem executiva emitida pela Casa Branca. 

No entanto, no processo eleitoral de 2022, o Brasil foi alvo de uma sequência de intervenções nada discretas dos próprios EUA com visitas de altos funcionários civis e militares a Brasília, as quais não ocultavam uma pouco velada preferência pelo então candidato Luiz Inácio Lula da Silva. Por sua vez, já eleito, o agraciado não se melindrou em apoiar ostensivamente a candidata democrata Kamala Harris nas eleições norte-americanas de 2024, chegando a rotular uma eventual vitória do republicano Donald Trump como um retorno do “nazismo e fascismo com outra cara”.

Mas, na ocasião, não se ouviram muitas queixas sobre violações da soberania nacional durante as visitas dos dignitários norte-americanos, tampouco acusações ao presidente brasileiro por intrometer-se de tal forma no pleito eleitoral dos EUA.

Apropriadamente, o episódio atual se presta a uma série de questionamentos sobre ameaças reais e potenciais à soberania brasileira.

Uma das mais prementes é a dependência tecnológica dos serviços digitais das Big Techs norte-americanas – Google, Amazon, Microsoft, Meta, Oracle e Beta –, que se manifesta em áreas essenciais como infraestruturas de computação em nuvem, armazenamento de dados, software, ferramentas de vendas online, marketing, pagamentos online, comunicação, inteligência artificial e outras. O CLOUD Act (Clarifying Lawful Overseas Use of Data Act), por exemplo, permite o acesso de autoridades dos EUA a dados públicos e privados brasileiros de posse daquelas empresas sem o consentimento e o conhecimento dos seus titulares.

Outra frequentemente citada refere-se aos sistemas de geolocalização, fundamentais para uma vasta gama de atividades econômicas e cotidianas. Ainda que um ventilado bloqueio do GPS americano seja tecnicamente inviável e haja outros sistemas disponíveis – o GLONASS russo, o Galileo da União Europeia e o BeiDou chinês –, a total dependência de sistemas fora do controle nacional é uma grande vulnerabilidade num momento de transição global em que a instabilidade constante parece ser um “novo normal”. 

Da mesma forma, apesar de ocupar a metade da América do Sul, o Brasil ainda não dispõe de um satélite meteorológico próprio, sendo totalmente dependente dos EUA e da União Europeia para as previsões meteorológicas. O CBERS-5, a ser desenvolvido em conjunto com a China, não deverá ser lançado antes de 2030.

Sem deixar de lado um satélite de vigilância militar, recurso imprescindível a um país de tamanha vastidão e disponível até mesmo a países menores em dimensões e níveis de desenvolvimento, como a Argélia, Marrocos, Nigéria e África do Sul.

Tais deficiências são consequências diretas da miopia estratégica que nunca permitiu ao programa espacial brasileiro um desenvolvimento adequado. Apesar de o impasse com os EUA ter motivado o governo a criar uma comissão para discutir a possibilidade de criar um sistema de geolocalização nacional, mesmo supondo que haja a necessária vontade política, este não é um projeto que possa ser implementado em menos de uma a duas décadas.

Uma questão ainda mais séria remete a outro quesito de soberania fundamental, a capacidade de formular políticas econômicas e financeiras referentes à ocupação física e ao aproveitamento dos recursos naturais do território nacional, há décadas, alienadas a agentes alheios aos interesses maiores do País. 

As primeiras, ao sistema financeiro, a Faria Lima, que, independentemente do governo de plantão, controla as finanças nacionais por intermédio de um Banco Central aferrado ao controle da inflação com juros estratosféricos (atualmente no pódio mundial), esquema que converteu o Brasil numa fábrica de juros e dividendos, em detrimento do necessário desenvolvimento das suas forças produtivas. 

Quanto à ocupação territorial e aos recursos naturais, o processo decisório foi “terceirizado” a um aparato ideológico internacional que instrumentaliza critérios exacerbados de proteção do meio ambiente e de povos indígenas como elementos de arbitragem supremos para toda sorte de empreendimentos produtivos, inclusive projetos de infraestrutura vitais para proporcionar ganhos de produtividade econômica e de mobilidade para populações carentes do interior, principalmente na Amazônia Legal.

Todavia, poucos consideram como ações contra a soberania nacional as intervenções de ONGs estrangeiras ou com financiamento estrangeiro, apoiadas por tecnocratas governamentais fortemente influenciados por elas, contra empreendimentos cuja listagem é legião: a exploração da Margem Equatorial Brasileira; a ferrovia Ferrogrão; a pavimentação da rodovia Manaus-Porto Velho (BR-319); a exploração de potássio em Autazes (AM); a dragagem do rio Paraguai; e numerosas outras.

Todos esses fatos denotam que a soberania do Brasil tem sido abordada de uma maneira bastante restrita pelos que a invocam com um proverbial peito inflado, repleta de limitações decorrentes das decisões tomada pelas elites dirigentes a partir das décadas de 1980-90, trocando a ideia-força de um projeto nacional de desenvolvimento, prevalecente no meio século precedente, pela adoção acrítica e submissa à agenda do “globalismo”. 

Desde então, o Brasil deixou de ser um País que sabia enfrentar e solucionar os seus problemas, galgando gradativamente a escala do progresso, e passou a esperar do exterior a solução deles. Trocou metas de desenvolvimento por metas de inflação e desmatamento e mergulhou no pântano da estagnação socioeconômica, tecnológica e industrial, desperdiçando os seus enormes potenciais humanos e naturais e adiando sine die o ingresso no rol das nações desenvolvidas.

Sem se considerar – e enfrentar – esse quadro de limitações e desafios, falar em defesa da soberania nacional não passa de retórica vazia.

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