Câmbio, tarifa e cegueira estratégica: o preço de fingir que está tudo sob controle

Quando um dos maiores bancos globais afirma que o câmbio “só deve disparar se houver escalada na guerra tarifária”, não está apenas fazendo uma projeção técnica — está revelando um vício de leitura que domina boa parte do mercado brasileiro: a crença de que ainda é possível tratar a crise atual como um desvio de rota e não como uma inflexão estrutural.

A carta enviada por Donald Trump ao governo brasileiro, com exigências claras para revisão tarifária, não foi um gesto simbólico. Foi um ultimato. E a resposta do Planalto, marcada por silêncio, improviso e isolamento diplomático, não apenas piorou a situação como colocou o Brasil oficialmente na mira de retaliações. Mesmo assim, o mercado reage como se ainda fosse possível separar política de economia, como se a escalada institucional que estamos vivendo pudesse ser contida dentro de planilhas de risco e relatórios cambiais.

O fato é que o câmbio não está em compasso de espera — está represado por uma narrativa que se recusa a reconhecer os fatos. A instabilidade não é futura. Ela já está em curso. A sinalização internacional é clara, a deterioração institucional é visível, e a resposta política é nula. Ainda assim, o sistema financeiro opera sob a lógica da negação, convencido de que tudo pode ser administrado até o último minuto. Como se o Brasil fosse imune à perda de confiança quando já há investidores precificando fuga de capital, empresas refazendo seus planos de exportação e diplomatas americanos tratando o país como um risco contábil.

A análise que ignora o fator institucional é mais do que ingênua — é cúmplice. Porque ao fingir que se trata apenas de uma guerra comercial, o mercado ajuda a encobrir a verdadeira guerra em curso: a que corrói a credibilidade do país por dentro, por meio de decisões monocráticas, perseguições políticas e censura camuflada de moderação.

A pergunta não é se o câmbio vai disparar, mas quando a narrativa de “normalidade” vai ruir. Porque uma hora ela fatalmente desaba. E quando isso acontecer, não vai adiantar dizer que foi surpresa. Os sinais estão todos aí: nas tarifas, na carta de Trump, na paralisia do governo e na cegueira conveniente de quem preferiu acreditar que daria para manter o jogo rodando enquanto o tabuleiro queimava.

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