O “fenômeno Bukele” está sendo discutido no Brasil — com críticas histéricas de um lado e veneração do outro —, em grande parte porque o presidente de El Salvador apresentou uma solução para um problema que aflige o cidadão brasileiro diariamente: a segurança pública. Alguns afirmam que é necessário um presidente como Bukele; outros consideram sua conduta criminosa, violadora dos direitos humanos e inapropriada para ser replicada em qualquer outro lugar do mundo. No entanto, a questão é: seria coerente discutir o “fenômeno Bukele”, uma possível bukelização do Brasil, ou abordar a segurança pública nacional por meio de outras categorias analíticas.
El Salvador, país com cerca de 21 mil quilômetros quadrados, é o menor Estado da América Central continental. Situado entre Guatemala, Honduras e o Oceano Pacífico, é conhecido por sua alta densidade populacional, marcada pela concentração urbana na capital, San Salvador, centro político, econômico e cultural do país.
Politicamente, El Salvador é uma república presidencialista, com forte concentração de poder no Executivo. Historicamente, o país foi marcado por conflitos internos profundos, especialmente a guerra civil entre 1980 e 1992, e sua democracia apresenta instituições jovens, ainda em processo de consolidação. O sistema legislativo unicameral, representado pela Assembleia Legislativa, exerce funções essenciais, mas frequentemente reflete as tensões políticas e sociais internas.
Diante disso, questiona-se se um país geograficamente tão pequeno, com um arranjo institucional tão distinto, pode, em algum grau, servir de exemplo para o Brasil. Existem comparativos válidos, ou Bukele tornou-se um símbolo utilizado para simplificar uma discussão complexa? A demanda por “bukelização” seria, então, uma retórica vazia utilizada para instrumentalizar politicamente o medo e o cansaço da população?
É fundamental compreender que o Brasil difere significativamente não apenas em termos geográficos, mas também em seu desenvolvimento histórico, político, institucional e jurídico. Um dos principais obstáculos à promoção de reformas institucionais no Brasil é o elevado custo político diante de grupos de interesse, oligarquias patrimonialistas e agentes internacionais. A criação de dispositivos institucionais e penais para sancionar criminosos implica também na alteração da dinâmica do exercício do poder.
Observa-se que oligarcas, agentes internacionais e uma parte considerável do establishment nacional têm interesse pela impunidade e, por certo grau, de desordem no processo de aplicação de sanções institucionais. A garantia de impunidade geral também representa, de certa forma, a garantia da impunidade desses grupos.
É evidente que o “fenômeno Bukele” não serve como exemplo ou modelo: trata-se de um país geograficamente pequeno, com instituições desprovidas de tradição, freios e contrapesos, e sem capacidade de influenciar significativamente o jogo geopolítico local. Pacificar El Salvador equivale a pacificar um bairro de São Paulo; portanto, não há motivos substanciais para comparação. A principal barreira que impede uma política de tolerância zero contra o tráfico reside justamente no custo político dessas reformas institucionais, ou mesmo na ativação de um dispositivo de exceção. Não se trata da ausência de um líder carismático corajoso, tampouco de mera vontade. O problema da segurança pública no Brasil envolve reformas institucionais, cálculos políticos e estratégias de articulação. A “bukelização” não deve dominar o debate público como um mantra ou uma palavra mágica. Para o Brasil, não existem soluções simples.