Big Techs e Big States: Quando o Sistema Se Torna o Próprio Ator

O governo Lula decidiu enfrentar as Big Techs. Mas, como de costume, não por convicção soberana, mas por conveniência de aparato. A tentativa de tributar plataformas digitais não tem relação com uma política de Estado — tampouco com a defesa do país —, mas com o incômodo diante da perda de controle narrativo. Trata-se de uma reação oportunista de um sistema que se vê desafiado por uma infraestrutura que não compreende.

Longe de ser apenas corporações, as Big Techs são estruturas transnacionais que operam como ecossistemas próprios, controlando redes de conectividade, fluxos de dados, algoritmos, canais de influência e, cada vez mais, elementos fundamentais da segurança digital e da governança global. Elas não concorrem no mercado, elas são o mercado — ou ao menos a camada sobre a qual o mercado e o Estado passaram a operar.

A resposta do governo brasileiro revela uma profunda miopia institucional. Em vez de diagnosticar o papel dessas plataformas na nova geopolítica digital, optou-se por uma retaliação fiscal travestida de defesa da democracia. O Judiciário segue na mesma linha: tenta impor autoridade sobre sistemas que já escaparam à jurisdição nacional, como se ainda fosse possível regular um ator que integra, hospeda e, em alguns casos, financia o próprio funcionamento do aparato estatal.

Não se trata de inocentar as Big Techs. Seu modelo de negócios é intrinsecamente extrativista, orientado por metas opacas de captura de comportamento, manipulação de atenção e, em última instância, controle. Mas enfrentá-las exige estratégia, não retórica. E o Brasil, neste momento, não possui nem uma coisa nem outra.

Enquanto Estados como China e Estados Unidos subsidiam seus próprios gigantes digitais e disputam a primazia tecnológica com planejamento de longo prazo, o Brasil continua a reagir por impulso — ora tentando regular por vingança, ora entregando infraestrutura por conveniência. Não há doutrina, nem capacidade institucional. Há apenas um conjunto de decisões fragmentadas, que ora atendem a pressões internacionais, ora a interesses internos, quase sempre desconectadas de qualquer ideia de soberania.

A escolha de enfrentar as Big Techs sem compreender sua natureza leva a dois riscos simultâneos: subestimar sua capacidade de retaliação sistêmica e superestimar o alcance das próprias instituições. Ao fim, o governo não enfrenta um inimigo externo, mas um sistema que já está dentro — e que molda parte significativa da vida econômica, política e cultural do país. A resposta fiscal é um desvio, não uma estratégia.

Não existe neutralidade nesse jogo. Mas fingir soberania sem romper com a dependência estrutural que nos mantém à margem da disputa global é apenas teatro. E, neste caso, um teatro encenado por quem já não escreve o roteiro.
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